Frio histórico

Mutirão de solidariedade mobiliza os curitibanos

Uma demonstração de solidariedade marcou a noite de terça-feira (23), considerada a mais fria do ano até agora em Curitiba, com temperatura de dois graus centígrados. Pessoas de todos os cantos da cidade foram à Praça Tiradentes levar agasalhos, cobertores e calçados para serem doados, principalmente a moradores de rua, carrinheiros e trabalhadores do período noturno.

“Vim porque não consegui ficar em casa, no conforto e alheia aos acontecimentos. Tem muita gente precisando de ajuda. Estou bem alimentada, bem agasalhada e feliz por fazer um trabalho voluntário” disse Elza Pereira Schause, 25 anos, escriturária que deixou dois filhos, de um e cinco anos, com a vizinha para separar e dobrar as roupas doadas.

O movimento, que começou com uma convocação nas redes sociais, fez eco em crianças, jovens, donas de casas, profissionais e pessoas das mais diversas camadas sociais. Atingiu o curitibano que, apesar de estar acostumado com baixas temperaturas, sabe do sofrimento que o frio causa, principalmente nos mais vulneráveis. “Não tem preço. Gestos como esse aquecem pessoas e o coração”, disse Gerson Guelmann, superintendente do Instituto Pró-Cidadania de Curitiba (IPCC), que ajudou a gerenciar o processo de doação e entrega dos donativos.

Todas as roupas e calçados que chegavam eram imediatamente separadas por número e gênero (feminino e masculino). Voluntários trabalharam com rapidez. “Isso está parecendo um shopping”, disse Carlos André, que vive nas ruas há nove anos. “Além de cobertas, agasalhos e até luvas, estou levando um tênis do meu número”, contou.

Eliane Biazetto chegou, depositou a doação e saiu com um sorriso nos lábios. “Quem consegue dormir numa noite destas, em que a sensação térmica é de menos seis graus, sabendo que tem muita gente que precisa?”, questionou. “Vim aqui porque sei da lisura da Prefeitura de Curitiba, envolvida neste movimento espontâneo. A doação é repassada imediatamente”, disse ela.

“Estamos recebendo muitas doações de produtos novos. Pessoas que estão saindo do trabalho, passando em lojas e adquirindo roupas e cobertores”, disse Maria Eulália Ribeiro e Souza. Segundo ela, é a primeira vez, em 76 anos de vida, que foi para a rua ajudar. ”Já fiz de tudo nesta vida. Faltava essa solidariedade. Minha neta me mostrou no computador a convocação e senti que precisava estar aqui. Faltava essa experiência na minha vida”, disse ela.

A jornalista Annaterra Vianna, idealizadora do movimento, estava satisfeita. “Moro no centro da cidade e vejo muita coisa. Gente que precisa muito mesmo. Acreditei que podíamos ajudar, mas não imaginei que a resposta dos curitibanos fosse tão rápida. O resultado está aí”, disse ela, apontando para as centenas de pessoas que se aglomeravam na Praça Tiradentes para doar agasalhos, roupas, cobertores e calçados.

Maria Baptista, 56 anos, chegou nesta terça-feira a Curitiba, vinda do interior do Estado. Sua casa queimou e ela ficou sem saber para onde ir. Decidiu pela capital, mas não contava com o frio. “Vim só de camiseta. Pensei que seria minha última noite viva. Mas andando sem rumo vim parar aqui. É uma benção. Já rezei nas escadarias dessa igreja (a Catedral) para que Deus abra o caminho do céu para cada uma destas pessoas que estão aqui nesta noite”, disse ela, depois de ganhar calças grossas, meias, blusa de lã, luvas, gorro, dois cobertores e um edredon.

Julio César, 15 anos, morador de rua, veio de Foz do Iguaçu. “É a primeira vez que recebo tanta coisa. Ainda escolhi o que queria. Vou dormir tranquilo”, disse.

Carla Daschner, 36 anos, voluntária que corria entre as caixas organizadas de doações, não sabia precisar o volume de donativos. “Est&aacu,te; chegando muita coisa. Gente a pé, de carro, de ônibus. Sacolas e sacolas de roupas e cobertas”, afirmou a dona de casa, que foi a praça doar e acabou ficando, integrada ao movimento, pela solidariedade. “Isso toca o coração”, disse.

Plano emergencial

A Fundação de Ação Social (FAS), colocou em prática um plano emergencial de atendimento à população em situação de rua na última noite. Vagas nos centros de regate social foram apliadas e as equipes de rua foram reforçadas.

Ao todo, a Prefeitura de Curitiba têm disponível para a população em situação de rua 1.005 vagas de abrigamento, distribuídas entre equipamentos municipais (730 vagas) e conveniados (275). Em todos os equipamentos, são ofertadas refeições quentes no jantar e café da manhã e, se necessário, almoço.