Todo cuidado é pouco!

Automedicação por medo da covid-19 coloca pacientes em risco. Orientação médica é o caminho!

Foto: Freepik.

Na última quarta-feira (24), o Brasil ultrapassou a triste marca de 300 mil mortes por covid-19 durante a pandemia. Preocupados com o risco que a doença representa, muita gente tem feito uso de medicamentos contra os sintomas do coronavírus, sem orientação médica e tem causado uma falsa sensação de segurança a quem se contamina, adiando uma eventual ida a um hospital quando há agravamento dos sintomas.

A pandemia tem ressaltado um sério problema nacional que vem se agravando: a automedicação. Dados de uma pesquisa realizada em 2018 pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) sobre automedicação mostram que 79% dos brasileiros com mais de 16 anos admitem tomar medicamentos sem prescrição médica ou farmacêutica.

Hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, vitamina D e zinco são os medicamentos mais comuns que integram o chamado “kit covid”, que tem seu uso defendido pelo presidente Jair Bolsonaro como opção para tratar a covid-19 de maneira precoce. O uso desses fármacos, no entanto, não deve ser feito sem a prescrição de um médico. Muitas pessoas, sob influência de informações ainda sem embasamento científico – o laboratório que produz a Invermectina, por exemplo, afirmou não haver indícios de que o remédio tenha efeito para este uso – ,transformaram o “kit covid” na salvação de pessoas infectadas ou que ainda nem tiveram seus testes positivados para covid-19.

No primeiro ano de pandemia, medicamentos como a hidroxicloroquina (antimalárico) e ivermectina (vermífugo) tiveram altas expressivas de vendas no Brasil. Um levantamento feito pelo Conselho Federal de Farmácia revela que as vendas da hidroxicloroquina, por exemplo, mais que dobraram. Em 2019, 963 mil unidades foram vendidas e um ano depois, durante a pandemia, as vendas chegaram a 2 milhões de unidades. A Ivermectina teve uma alta ainda maior, as vendas aumentaram cinco vezes mais na comparação entre 2019 e 2020.

A busca por estes medicamentos sem a indicação médica causa apreensão em algumas autoridades da saúde. “O Brasil é o país que mais usa esse tratamento não recomendado. O único no mundo que tem um protocolo do próprio Ministério da Saúde. Nenhum outro país tem protocolo oficial recomendado. Ao mesmo tempo, é o país com maiores taxas de mortalidade de coronavírus no mundo. Isso só mostra que o tratamento com esses medicamentos não fez diferença nenhuma”, afirma o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico infectologista do laboratório Frischmann Aisengart, Alberto Chebabo.

O infectologista ainda faz um outro alerta, com relação às complicações ligadas ao uso dessas medicações de maneira indiscriminada. “A gente vê que 90% das pessoas que internam usaram de alguma forma Ivermectina. Os riscos são vários. O uso dessas medicações dá a falsa sensação de que a pessoa está sendo tratada. A gente vê isso com muita frequência. Por esse motivo as pessoas acabam procurando tardiamente um hospital. Ela acha que tomando remédio vai melhorar”, diz.

Outro problema com a automedicação está na questão das reações adversas geradas por medicamentos tomados sem a indicação de um médico. “Isso pode ocorrer não só com essas medicações, mas em qualquer outra. Toda medicação traz riscos e benefícios. Se não tem nenhum benefício e tem eventos adversos, o medicamento está piorando o andamento da doença”.

Foto: Freepik.

Autonomia do médico

Todo médico, com diploma e registro no Conselho Regional de Medicina, tem autonomia para prescrever medicamentos para enfermidades de seu paciente. Com o conhecimento que ele adquiriu na graduação e com a experiência agregada durante o exercício profissional, é ele quem decide o que é bom para seu paciente.

O vice-presidente do CRM-PR, Wilmar Mendonça Guimarães, mesmo contra a indicação do kit-covid, valida a autonomia do profissional de saúde. “Cloroquina, azitromicina, ivermectina. Isso está errado, não pode. Mas se o médico considerar que isso possa ser um benefício a seu paciente, ele pode prescrever”, disse.

Segundo o especialista, nem a Organização Mundial da Saúde nem o FDA (Food and Drug Administration, órgão que regula medicamentos nos Estados Unidos) apoiam o uso do kit-covid. “Muitas medicações têm efeitos colaterais individuais. Você pode tomar cloroquina e não pode ter nada. Mas outra pessoa pode tomar e ter um choque anafilático”, explica o vice-presidente do CRM-PR.

Atendimento precoce, sim!

Com eficácias cientificamente comprovadas, as medidas profiláticas de combate ao coronavírus devem continuar no nosso cotidiano: uso de máscaras faciais, higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel, prática do distanciamento social, evitar aglomerações.

O atendimento precoce, ele sim tem ajudado a salvar muitas vidas. “O atendimento logo nos primeiros sintomas reduz as chances da doença se agravar e o paciente chegar até o CTI, utilizar ventilação mecânica. Sabemos que a maioria das pessoas vão reagir super bem à doença, mas 10% a 20% vão desenvolver um quadro mais grave e esse acompanhamento precoce é muito importante para que uma intervenção seja feita mais rapidamente”, disse Guimarães.

A utilização de oxímetro, um aparelho que permite medir a saturação de oxigênio do sangue, tem sido um grande aliado no atendimento precoce. “Ele faz a diferença no momento correto. Quando a oximetria começa a cair, a gente consegue intervir reduzindo a chance da doença se agravar. Acompanhar o quadro febril, síndrome gripal, é muito importante para avaliar o momento certo da interversão”.

Alerta para “experimentos perigosos”

Novos tratamentos experimentais, como o caso da inalação de cloroquina, têm assustado a comunidade médica. Wilmar Guimarães ressalta que esse tipo de tratamento, sem um estudo bioquímico anterior e de segurança médica, é inaceitável. “Inalação de cloroquina é uma sandice. Pessoas com fibrose pulmonar estão tendo um sério problema com isso. Não se deve fazer isso sem um respaldo ético”.

Guimarães explica que um tratamento ou mesmo um medicamento, como uma vacina, precisa seguir protocolos de pesquisa. “Você tem que fazer um estudo bioquímico, ver a segurança em diferentes fases, fase 1, 2, 3. Realizar testes em ratos, animais, e depois, na última fase, testes em humanos. Agora, você sair fazendo tratamento e dando remédio que nunca foi estudado é uma ilicitude. Não é aceitável sobre nenhum pretexto”, revela.