Consumo, consumismo e sustentabilidade econômica

Nesta breve análise, vamos deixar de lado a análise sociológica relativa ao consumismo (seria ele um ato de liberdade ou um vício implantado?). O que se pretende fixar como premissa é que o padrão de consumo em uma sociedade deve ser compatível com o nível de renda de seus cidadãos, de molde a favorecer a poupança privada.

Ainda que o consumo seja visto como objetivo imediato do empresariado (afinal, é o consumidor quem coloca o dinheiro no caixa dos empreendedores), a formação de uma política de desenvolvimento econômico com os olhos no longo prazo não pode ignorar que a geração de uma poupança privada relevante também é uma meta que deveria interessar à classe empresarial. Afinal, a existência de uma sólida poupança privada, depositada em instituições financeiras, ou disponível no mercado de ações, é a fonte para a oferta de crédito, ou de recursos diretos, para as atividades empresariais.

Para que se vislumbre a eficiência de um sistema econômico, deve-se buscar uma compatibilidade entre o padrão de consumo e o de renda, de molde a favorecer tanto a geração imediata de caixa quanto a formação de uma poupança privada.

Como bem ponderou o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, o crescimento econômico medido apenas em termos de evolução do PIB tende a não ser sustentável. Para o economista, “crescimento com degradação ambiental, com consumo baseado em endividamento ou exploração de recursos naturais escassos, sem re-investimento dos rendimentos, não é sustentável” (“Virar à Esquerda Para Crescer”). Ao tratar de “consumo baseado em endividamento” o autor remete à ausência de formação de poupança privada.

Nos Estados Unidos, sociedade tipicamente consumista, mantém-se a eficiência econômica porque os cidadãos geram um grande fluxo de caixa aos empreendedores, além de terem condições de formar uma poupança privada que, em grande parte, é destinada ao mercado de ações, alimentando com dinheiro farto e barato os projetos de empreendedorismo. Esta lógica vale mesmo para a grave crise derivada do setor imobiliário norte-americano. O excesso de endividamento somente pode ser resolvido com um reaquecimento da economia, que é conseqüência direta dos recursos disponíveis no mercado financeiro.

Na China, sociedade do bilhão de consumidores que reside nos sonhos de muitos investidores ocidentais, os parcos ganhos dos cidadãos não inviabilizam a formação de uma sólida poupança privada, destinada sobretudo às instituições financeiras, que fornecerem crédito fartíssimo e muito barato como conseqüência do imenso volume de depósitos disponível.

Em ambos os casos, há coerência entre o padrão de consumo e o de poupança privada, gerando eficiência no sistema econômico.

Já no Brasil e em outros países emergentes (até quando?), há um descompasso entre o padrão de receitas e o de gastos individuais, formando nações de endividados.

As conseqüências econômicas daí derivadas são facilmente perceptíveis. De um lado, pessoas pouco informadas são levadas pelo impulso forçado a corroerem suas poupanças privadas e, pior, a assumirem encargos com juros, revelados ou embutidos, sempre cobrados em percentuais elevadíssimos. De outro, uma economia que não dispõe de relevantes reservas em depósitos bancários ou de dinheiro novo no mercado financeiro não tem condições de fomentar o empreendedorismo, na medida em que não estarão presentes as condições de base para a disponibilização de crédito farto e barato.

Mas o combate ao consumismo não pode ser levantado como bandeira, a não ser que se lute com as armas de Dom Quixote. O que se deve buscar é, a longo prazo, a efetivação de investimentos em educação (gerando maior preparo individual para suportar as investidas publicitárias), e, de forma imediata e mais vinculada ao mundo jurídico, impedir certas práticas de pretensa facilitação à aquisição de bens que, em realidade, mostram-se como armadilhas à venda de crédito.

Outra medida possível seria dotar de maior efetividade as normas do direito antitruste. Poderíamos mirar no exemplo de países em que o monopólio, bem como outras formas de domínio de mercado, são em si combatidos, sem a possibilidade de construção de justificativas lógicas de proteção aos interesses dos consumidores. No Sherman Act norte-americano, o domínio de mercado envolve o controle dos hábitos dos consumidores, que pouco podem fazer diante do bombardeio das sempre renovadas técnicas de exposição, oferta e venda de produtos ou serviços.

Uma sociedade que gasta mais do que pode cria um freio econômico para si mesma, na forma do comprometimento da formação de reservas internas. O consumo imediato pode ser visto de maneira positiva. Afinal, incrementa-se o faturamento dos empresários, viabilizando naquele momento sua atividade. Mas, no longo prazo, não se vislumbra uma expansão na instalação de atividades econômicas, e a abertura de novos mercados.

Esta inviabilidade econômica pode ser compreendida quando se está diante de países paupérrimos, em que o escoamento dos recursos pessoais está vinculado à busca pela simples subsistência das pessoas. Mas em países em que a classe potencialmente poupadora e efetivamente endividada compromete seus recursos com a aquisição (muitas vezes financiada) de bens cuja necessidade é altamente questionável, forma-se um quadro de inviabilidade de projetos de desenvolvimento sustentável.

Fábio Tokars é mestre e doutor em Direito. É professor de Direito Empresarial na PUCPR, no curso de mestrado em Direito da Unicuritiba, na Escola da Magistratura do Estado do Paraná e na Escola da Magistratura do Trabalho do Estado do Paraná. fabio.tokars@pucpr.br