Condolências oficiais

A polícia britânica, que até há pouco tempo nem arma usava, de tão respeitada que era, matou estupidamente, à queima-roupa, com oito tiros, o trabalhador brasileiro Jean Charles. Ele vivia em Londres de forma legal, trabalhando como eletricista. Jean, como milhares de brasileiros, procuravam em país desenvolvido fugir à miséria e à insegurança vividas no Brasil, juntando dinheiro para ajudar a família e construir um futuro melhor. Mesmo profissionais brasileiros de nível superior se sujeitam lá fora a trabalhos de faxineiro, lavador de pratos e outros aqui mal-remunerados e que nada têm a ver com sua formação profissional, para tentar escapar às incertezas e carências de quem vive no Brasil.

Jean Charles, de 28 anos, foi um desses brasileiros. Por alguma razão – ou por razão nenhuma, senão o medo dos atentados que terroristas têm realizado na capital britânica -, a polícia local, agora armada e amedrontada, entende-se que aja nervosamente e cometa erros. Mas se trata da Scotland Yard, uma das polícias mais bem preparadas do mundo, e parece incompreensível, senão claro abuso de poder, que tenha confundido um trabalhador brasileiro com um terrorista e assassinado o jovem pelas costas, com oito tiros, sem tentar prendê-lo e interrogá-lo, o que seria a atitude adequada.

O Brasil está de luto e de luto está a pobre família do trabalhador Jean Charles, gente humilde do interior, que vive na roça e a quem o eletricista já havia conseguido oferecer recursos para a construção de uma casa, modesta, mas bem melhor que a humilde habitação em que vivia. O governo britânico pediu desculpas, mandou investigar as circunstâncias do caso e processar os policiais assassinos. E ainda prometeu uma indenização à família de Jean Charles. Sua vida, ninguém devolve.

Muito bem agiu o presidente Lula, que, num longo telefonema ao pai do moço assassinado na Inglaterra, ofereceu em seu nome e do governo, sinceras condolências. Um gesto nobre. E ficamos todos nós a pensar que às famílias de cada conterrâneo nosso inocente que as polícias brasileiras matam estupidamente e, muitas vezes, até plantam falsas provas para dizer em defesa própria que era um suspeito ou um criminoso, deveriam receber telefonemas de condolências de Lula. Desculpemos a omissão, pois as polícias são estaduais. E na Polícia Federal, subordinada ao governo de Brasília, tão lamentáveis atos são incomuns. Mas, se cada governador decidir fazer telefonemas de condolências, certamente vão faltar verbas para pagar a conta à companhia telefônica. O que aconteceu em Londres é indesculpável, mas vamos reconhecer que no Brasil a polícia mata gente inocente todos os dias. E ninguém recebe telefonemas de condolências das autoridades. Muito menos indenizações.

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