Comissões de Conciliação Prévia: uma visitação necessária

1. Introdução

A lei instituidora das Comissões de Conciliação Prévia (CCP), no Brasil, completa, em janeiro de 2005, cinco anos de existência.

Como se recorda, as CCP foram criadas pela Lei n.º 9.958, de 12.01.2000, que inseriu os artigos 625-A a 625-H na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

2. Quem pode criá-las?

Podem as empresas e os sindicatos instituir CCP, com re-presentantes dos trabalhadores e dos patrões. Permite-se, também, sejam constituídas por grupos de empresas ou tenham caráter intersindical (envolvam mais de um sindicato de trabalhadores e de empregadores).

Quando instituída na empresa, a metade dos membros é indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados. O representante dos empregados, titular ou suplente, não pode ser dispensado, até um ano após o final do mandato (que é de um ano, permitida uma recondução), salvo em caso de falta grave.

Se instituída no âmbito sindical suas normas emergem de convenção ou acordo coletivo.

3. Objetivo e prazo para solução

Tem a CCP por objetivo tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho. Impôs-se a ela o prazo de dez dias (improrrogável) para que realize a sessão com o objetivo conciliatório, desde quando provocada pelo interessado.

Não obtida a conciliação, será fornecido documento de-claratório informando a tentativa frustrada, descrevendo o objeto. Essa declaração, assinada pelos membros da CCP, deve ser juntada à reclamatória trabalhista.

4. Obrigatoriedade de submissão à CCP

Estabeleceu a lei, imperativamente, que qualquer demanda de natureza trabalhista, deveria se submeter a CCP. Essa obrigatoriedade vincula-se à existência, na localidade onde os serviços foram prestados, de CCP no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

Muito se discutiu sobre a obrigatoriedade da submissão à CCP antes do ingresso da reclamatória trabalhista em juízo.

O TST vem entendendo pela hipótese afirmativa, ou seja, extingue sem apreciação do mérito o processo no qual não há prévia tentativa de conciliação entre empregado e empregador perante CCP. São precedentes a respeito: RR 173/2001-17-00-5, Rel. Min. Barros Levenhagen; RR 96742/2003.5, Rel. Min. Milton de Moura França; RR 1005/02-086-15-00-4, Rel. Juíza convocada Rosita Sidrim Nassar.

5. A tese da inconstitucionalidade

O Órgão Especial do E. TRT da 9.ª Região, em sessão do dia 28.01.02, por maioria de votos, reconheceu a constitucionalidade do art. 625-D da CLT, introduzido pela Lei n.º 9.958/00.

Conforme salientou, com propriedade a juíza e professora Alice Monteiro de Barros: “Essa conciliação não retira da Justiça do Trabalho a apreciação de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, mas apenas difere no tempo a acionabilidade”(1). Desse modo, resta afastada a inconstitucionalidade por afronta ao art. 5.º, inciso XXXV, da CF/88.

6. Procedimento sensato – suspensão do feito

Enquanto não se estabelece, em definitivo, se é, mesmo, obrigatória a passagem pela CCP, com o julgamento pelo E. STF das Adins n.º 2.139-7 e 2.160-5, a respeito do tema, parece mais prudente que os juízes não extingam os feitos sem apreciação do mérito, de imediato.

Nesse sentido, é extremamente valiosa a sugestão feita por Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga, ao fornecerem um roteiro didático-jurídico para que os juízes possam atender à economia e celeridade processuais: “a) registrar as propostas conciliatórias de ambas as partes, inclusive daquela que sustentou a necessidade de reunião prévia de conciliação; b) expedir ofício para a Comissão Prévia de Conciliação indicada, com cópia da ata e das Procurações, para eventuais providências, com prazo razoável para que a Comissão possa exercer sua atividade; c) adiar a primeira audiência para prazo razoável, entendendo-se, então, prejudicada a preliminar, havendo ou não a conciliação”(2).

Esse alerta parece-nos de todo relevante, também, seja feito aos juízes do Tribunal, no sentido de anularem as decisões de primeiro grau que simplesmente extinguirem as ações que não tragam a prova da passagem pela CCP, sem antes oportunizar o suprimento dessa lacuna processual.

7. O alcance da quitação

Estabeleceu o parágrafo único do art. 625-E que o termo de conciliação é título executivo extrajudicial, e terá eficácia liberatória geral “exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas”.

Sobre o alcance dessa quitação, a Portaria n.º 329, do MTE, através da nova redação dada pela Portaria n.º 230, de 21.05.04, procura esclarecer melhor o tema, nos incisos VI e VII do art. 13.

Pode-se, por certo, questionar a Portaria por haver extrapolado os limites da lei, mas, na verdade, levanta uma discussão importante: a quitação perante a CCP não abrangeria direitos não postulados na demanda.

Quanto ao procedimento conciliatório, em boa hora, menciona que deve restringir-se a direitos ou parcelas controversas, proibindo transação extrajudicial de parcelas incontroversas (art. 11), como, por exemplo, as verbas decorrentes do termo de rescisão por injusta dispensa, e inclusive o percentual devido a título de FGTS, inclusive a multa de 40% sobre todos os depósitos devidos durante a vigência do contrato de trabalho, que não pode ser objeto de transação (parágrafo único).

8. A formação do título executivo extrajudicial

Os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as CCP são considerados títulos executivos extrajudiciais (arts. 876, caput, e 625-E, parágrafo único, da CLT).

Desse modo, não cumprido pelo empregador o ajuste firmado no termo de conciliação perante a CCP, o procedimento a ser adotado na Justiça do Trabalho é executório. O réu-empregador-executado é citado para pagar ou garantir o juízo, podendo embargar se defendendo.

9. Deduções previdenciárias e de imposto de renda

Não há qualquer dúvida que os valores salariais objeto de acordo perante as CCP são passíveis de incidência da contribuição previdenciária. Tal estipulação está prevista na Instrução Normativa n.º 100 do MPS, de 18.12.03 (DJ 30.03.04).

Nega-se, contudo, competência à Justiça do Trabalho para a cobrança executiva dessa verba, posto que, como dito pelo Ministro João Oreste Dalazen, “não se cuidando de título emanado da Justiça do Trabalho, infere-se a contrario sensu do parágrafo único do artigo 876 da CLT e do art. 114, § 3.º, da CF/88, que carece a JT de competência, no caso”(3). Desse modo, a contribuição previdenciária devida em razão do termo de conciliação obtido perante a CCP somente seria exigível “mediante execução fiscal do INSS perante a Justiça Federal”(4).

Relativamente ao imposto de renda, os conciliadores devem alertar as partes sobre a necessidade de recolhimento, pois as verbas de natureza salarial são tributáveis. Não será o IR decorrente de termo de conciliação executável na Justiça do Trabalho, como as contribuições previdenciárias, mas a Receita Federal poderá fiscalizar as CCP e verificar o procedimento adotado, cobrando, na Justiça Federal, eventuais valores decorrentes.

Notas:

(1) BARROS, Alice Monteiro de. Compêndio de direito processual do trabalho. 2.ª ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 928.

(2) VARGAS, Alberto de e FRAGA, Ricardo Carvalho. Direito do trabalho necessário. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002. p. 17.

(3) DALAZEN, João Oreste. Revista. LTr. vol. 67. n.º 04, abril de 2003. p. 410.

(4) Ob. e p. cit.

Luiz Eduardo Gunther,

juiz do TRT da 9.ª Região e professor das Faculdades Integradas Curitiba e Cristina Maria Navarro Zornig, assessora no mesmo Tribunal.e-mail:
cristinazornig@trt9.gov.br

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