Comentários à Portaria 329/02 sobre as Comissões de Conciliação Prévia

O ministro Paulo Jobim, do Trabalho, publicou a Portaria n.º 329, DOU 15.8.2002, que estabelece procedimentos para a instalação e o funcionamento das Comissões de Conciliação Prévia e Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista. Foram consideradas “a necessidade de se traçarem instruções dirigidas às Comissões de Conciliação Prévia com vistas a garantir a legalidade, a efetividade e a transparência dos seus atos, bem como resguardar os direitos sociais e trabalhistas previstos na Constituição Federal, na CLT e legislação esparsa; e as sugestões do Grupo de Trabalho, organizado em configuração tripartite, com a finalidade de promover ações conjuntas visando ao aprimoramento dos mecanismos de funcionamento, acompanhamento e avaliação das Comissões de Conciliação Prévia.” Anteriormente, fora editada pelo Ministro do Trabalho e Emprego a Portaria n.º 264, de 5/6/2002, fixando normas para o acompanhamento e levantamento de dados relacionados ao funcionamento das Comissões de Conciliação Prévia, bem como para a fiscalização do trabalho quanto ao FGTS e contribuições sociais em decorrência da conciliação”, complementada pela Portaria n.º 02, de 12/7/2002, da Secretaria de Relações do Trabalho.

Nossa primeira observação é que de que a Lei 9958/2000 não fixa a necessidade de sua regulamentação e, em verdade, a Portaria n.º 329/02 adentra o campo regulamentar e vai além, ao inovar e legislar, traçando normas que somente o Congresso Nacional e o Presidente da República poderiam estabelecer. Portanto, naquilo que a portaria não se choca com a lei, ou tenta interpretar a CLT, pode-se considerá-la possível de aplicação. Entretanto, no que é inovadora, não obriga as entidades sindicais, empresas e partes interessadas.

Há um ponto em que a Portaria enfatiza a lei, destacando a questão relativa a obrigatoriedade da demanda ser submetida à CCP, matéria que se constitui ponto de ataque através de ação direta de inconstitucionalidade. Diz a Lei 9958/2000, no seu artigo 625-D, que “qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia…”, enquanto na Portaria a redação é “a submissão de demanda de natureza trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia é obrigatória…” (art.4.º). Embora a redação da lei seja impositiva – será submetida – a Portaria deixa a questão mais explicita ao considerar a obrigatoriedade de apresentação da demanda à CCP. Há julgados de Tribunais do Trabalho não aceitando esta obrigatoriedade, sendo matéria, assim, controvertida.

Um ponto que a lei não examina refere-se à possibilidade de quitação do contrato de trabalho e a rescisão do mesmo pela Comissão. Já a portaria veda essa prática, inovando e ampliando a lei, ao fixar que ” a instalação da sessão de conciliação pressupõe a existência de conflito trabalhista, não se admitindo a utilização da Comissão de Conciliação Prévia como órgão de assistência e homologação de rescisão contratual” (art.3.º). Por evidente, ao estar a matéria regulada pela CLT de modo específico, não podem empregador e empregado buscarem a Comissão de Conciliação Prévia para a assistência à rescisão ao contrato de trabalho. Entretanto, no caso de demanda localizada na não anotação da caretira de trabalho e o não pagamento de verbas rescisórias, a CCP poderá enfrentar a questão e, no caso de reconhecimento do vínculo empregatício, exigir o cumprimento das obrigações legais decorrentes desse reconhecimento.

Entre as várias inovações, destacam-se (1) a obrigatoriedade de comunicação da instalação da Comissão ao Ministério do Trabalho, (2) necessidade da guarda de documentos pela CCP por cinco anos, (3) impossibilidade do uso de símbolos oficiais nos documentos da CCP, (4) o impedimento de que a CCP possa ser fonte de renda para a entidade sindical, (5) a gratuidade da prestação do serviço da CCP ao trabalhador, (6) impedimento de cobrança de taxa do trabalhador e de qualquer tipo de percentual sobre o valor da conciliação, (7) impossibilidade de transação de valores do FGTS, (8) gratuidade do serviço dos conciliadores. Estas inovações decorrem da inexistência de preceito legal específico, diante das várias lacunas da Lei 9958/00, mas que, a nosso ver, não poderiam ser preenchidas por simples Portaria.

Quanto ao custeio da CCP, do qual não trata a lei, o sistema é fixado pela Portaria ao determinar que o termo normativo regulamentará as formas desse custeio, dentro dos princípios da gratuidade e razoabilidade, devendo qualquer contribuição à CCP ser paga pelo empregador, estabelecida na CCT ou no ACT que instituiu a Comissão. O trabalhador fica isento de qualquer pagamento. A Portaria não enfrenta a questão do pagamento de honorários de advogado, deixando ao arbítrio das partes a fixação dos valores devidos aos profissionais contratados.

Entendo que o Ministro do Trabalho pretende normatizar o que a lei não especificou, mas as suas determinações poderão não ser seguidas, total ou parcialmente, o que suscitará controvérsias a serem dirimidas pelo Poder Judiciário. Mas, inegavelmente, há um esforço moralizador na linha de condução ministerial e a tentativa de esclarecimento de pontos que a lei, lamentavelmente, não enfrentou. As entidades sindicais que julgarem a Portaria correta, poderão aplicar suas normas, ou mesmo introduzi-las em acordos e convenções coletivas de trabalho. Aquelas que não observarem sua legalidade, decidindo manter as regras constantes da Lei e nos acordos e convenções coletivas de trabalho, poderão fazê-lo com base na estrita observância das normas da Lei 9958/00.

Estas questões foram suscitadas no debate promovido pelo Instituto de Mediação e Arbitragem de Londrina, sociedade civil que congrega onze Comissões de Conciliação Prévia, além de manter organismo de mediação e arbitragem com base na Lei 9307/96. Também para o dia 05 de dezembro, as Federações de Trabalhadores e Empregadores do setor industrial realizarão em Curitiba seminário para analisar as instruções do Ministério do Trabalho e Emprego e o atual estágio das Comissões de Conciliação Prévia. Com mais de dois anos de vigência da Lei, as questões suscitadas pela sua aplicação, as decisões dos Tribunais do Trabalho, as denúncias de irregularidades e as ações perante o Supremo Tribunal Federal, devem ser analisadas detidamente pelas entidades sindicais, através dos fatores positivos e negativos, tendo em vista as novas realidades que serão colocadas na próxima etapa política que o país conhecerá a partir de primeiro de janeiro de 2003.

Edésio Passos

é advogado. E-mail:
edesiopassos@terra.com.br

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