Código Estadual de Defesa do Contribuinte do Paraná

Em tempo de notícias que causam estupor aos contribuintes, retratando o recrudescimento da carga tributária e arrecadação em nosso País, entre elas, a elevação da alíquota do Cofins (contribuição para o financiamento da seguridade social) de 3% para 7,6%, o vencimento em janeiro da primeira parcela ou cota única do IPTU (imposto sobre a propriedade territorial urbana) e também do IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores), e ainda, a edição da MP 232/04 que elevou a base de cálculo da CSLL (contribuição sobre o lucro líquido) e corrigiu a tabela de desconto do IR (imposto de renda) das empresas prestadoras de serviços; surge uma boa notícia, a edição do código estadual de defesa do contribuinte do Paraná.

Ives Gandra da Silva Martins, famoso tributarista paulistano, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 27 de janeiro transato, com o título `Tributos e benesses do poder’, escreveu ironicamente que "o tributo é um fantástico instrumento de poder, de domínio, de controle da sociedade. Serve, fundamentalmente, aos governantes (burocratas e políticos), tendo às vezes, um efeito colateral – mas não absolutamente necessário – que é permitir ao Estado prestar serviços públicos".

Em breve escorço, foi apresentado ao congresso nacional o projeto de lei complementar n.º 646 de 1999, de autoria do senador federal Jorge Konder Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, que previa a instituição do `código nacional de defesa do contribuinte’. Tratava-se de aspiração legislativa que primava pela aplicação da cidadania tal qual não se via desde o surgimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC – lei 8.078) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – lei 8.069), ambos em vigor desde o ano de 1990.

A elaboração do referido projeto de lei contou, à época, com a participação de alguns dos mais festejados tributaristas nacionais, como Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza e José Souto Maior Borges, juristas da PUC/SP e do Largo São Francisco (USP).

O Brasil, em caso de aprovação deste projeto de lei em comento, ladearia os países de primeiro mundo que já possuem legislação nos mesmos moldes, v. g. Estados Unidos, que possui a Declaração de Direitos do Contribuinte, datada de 1996, e Espanha que possui sua Lei de Direitos e Garantias dos Contribuintes, de 1998.

O projeto trazia nas suas disposições transitórias a extensão dos seus efeitos para todos os entes da federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo desnecessário destarte a edição, em âmbito estadual e municipal, de legislação similar. Todavia, o projeto foi retirado da pauta do congresso nacional.

O governador paranaense, Roberto Requião de Mello e Silva, em solenidade ocorrida na sede da Associação Comercial do Paraná (ACP), no dia 20 de janeiro de 2005, lançou o Código Estadual de Defesa do Contribuinte do Paraná, Lei Complementar Estadual n.º 107, publicada no Diário Oficial do Estado n.º 6.891, de 11 de janeiro de 2005.

O estado de Minas Gerais foi o primeiro a editar legislação semelhante, seguido de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Pará, a exemplo de outros estados, tem projeto de lei em tramitação.

A lei de iniciativa do deputado estadual Hermas Eurides Brandão, que estatui normas gerais sob direitos e garantias aplicáveis na relação tributária do contribuinte com a administração fazendária do Estado do Paraná, e mais conhecida como `código dos direitos e garantias do contribuinte’, foi sugerida pela Associação Comercial do Paraná (ACP) e Federação das Indústrias (Fiep), e teve como fonte inspiradora o texto originariamente apresentado ao senado federal da república, como lei complementar nacional, mutatis mutandi, adaptado à realidade do Estado do Paraná.

Segundo Heron Arzua, secretário da fazenda do Estado do Paraná, "a Lei é um divisor no capítulo da cidadania, com o estabelecimento de relação de igualdade jurídica entre o fisco e o contribuinte".

É um marco para o sistema tributário estadual, pois, não obstante o contribuinte contar com princípios e garantias fundamentais já previstos na Constituição Federal, tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, Constituição Estadual, Código Tributário Nacional e legislação tributária estadual terá ainda ao seu alcance um estatuto normativo bastante pormenorizado e moderno de proteção e garantia aos seus direitos.

O pragmático código veio a lume com o desiderato de proteger os contribuintes e não os sonegadores. Trata-se de verdadeiro dislate a afirmação em sentido contrário por parte dos severos críticos.

Entretanto, é aplicável exclusivamente na relação tributária do contribuinte com a administração fazendária do Estado do Paraná (art. 1.º), ou seja, não estende seus efeitos aos tributos de âmbito municipal. Seria necessário que os 399 municípios paranaenses editassem seus próprios `CDContrib’ para que os contribuintes citadinos pudessem se proteger dos excessos na exação fiscal local.

O Código de Defesa do Contribuinte do Estado do Paraná está dividido em 7 (sete) capítulos, com 42 (quarenta e dois) artigos.

Em apertada síntese, o conceito de contribuinte dada pela LC é mais largo que o usual, abrangendo toda forma de sujeição passiva tributária, inclusive responsabilidade, substituição, solidariedade e sucessão tributária (§ 1.º do art. 1.º).

Pelo código, fica estabelecido que a instituição ou a majoração dos tributos dar-se-á atendendo aos princípios da eficiência econômica, da simplicidade administrativa, da flexibilidade, da responsabilidade e da justiça tributária, pelo qual o tributo é justo quando atende aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade (caput c/c § 5.º, ambos do art. 2.º).

Diga-se de passo, que se considera economicamente eficiente o tributo que não interfere com a correta alocação de recursos produtivos da sociedade (§ 1.º). O tributo deve ser capaz de responder facilmente a mudanças no ambiente econômico (§ 3.º). E a incidência do tributo e a aplicação do produto de sua arrecadação devem ser transparentes, para que os contribuintes saibam o quanto pagam e o porquê (§ 4.º)

Somente a lei em sentido estrito, observado o princípio da anterioridade, pode estabelecer a antecipação do prazo para recolhimento do tributo (art. 5.º). É claro o escopo do legislador em evitar que o chefe do executivo estadual, através de decreto ou outro ato normativo infra-legal, altere o prazo para pagamento dos tributos.

Com o intuito de auxiliar o contribuinte na compreensão da legislação tributária, o código através de norma cogente, ordenou que as leis, regulamentos e demais normas jurídicas que modifiquem matéria tributária indicarão, expressamente, as que estejam sendo revogadas ou alteradas, identificando, com clareza, o assunto, a alteração e o objetivo desta (art. 9.º). A cada dois anos o Poder Executivo estadual expedirá, por decreto, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada tributo (parágrafo único).

Destaca-se aqui os avanços mais comemorados pelos juristas, como a vedação do fisco, para fins de cobrança extrajudicial de tributos, na adoção de meios coercitivos contra o contribuinte, tais como a interdição de estabelecimento, a proibição de transacionar com órgãos e entidades públicas e instituições oficiais de crédito, a imposição de sanções administrativas ou a instituição de barreiras fiscais (caput do art. 11).

Pormenorizando os dizeres do art. 135, inciso III, da lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), o art. 12 estipulou que a administração fazendária somente poderá desconsiderar os atos praticados pela sociedade mercantil e atribuir responsabilidade a seu administrador quando for comprovado que as obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, ou violação dos atos constitutivos.

Outra evolução do projeto está no artigo 14, que assegura o direito à interposição de impugnações ou recursos na esfera administrativa, sendo vedado à legislação tributária estabelecer qualquer outra condição que limite o referido direito, salvo os requisitos de prazo, forma e competência (caput).

E nenhum depósito, fiança, caução, aval ou qualquer outro ônus poderá ser exigido do contribuinte, administrativamente, como condição para admissibilidade de defesa ou recurso no processo administrativo-tributário (parágrafo único).

A ratio deste dispositivo é evitar que os recursos e impugnações em processos no âmbito administrativo fiquem condicionados a depósitos de valores ou bens, tal como ocorre no processo administrativo federal. É o caso do decreto n.º 70.235, de 6 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal em âmbito federal. Veja a redação do § 2.º do art. 33: "em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o recorrente arrolar bens e direitos de valor equivalente a 30% (trinta por cento) da exigência fiscal definida na decisão, limitado o do recurso, ao total do ativo permanente se pessoa jurídica ou ao patrimônio se pessoa física". A lei estadual (Código de Defesa do Contribuinte) diz justamente o contrário da lei federal (Decreto 70.235). A lei estadual é mais benéfica ao consumidor do que a lei federal.

A LC 107/2005, nos arts. 15 a 23, colaciona o rol dos direitos e garantias dos contribuintes. Dentre eles, o contribuinte tem direito de, na forma da lei, ser notificado da cobrança de tributo ou multa, ressalvadas as hipóteses de tributos sujeitos a posterior homologação de pagamento que independe de notificação (caput, art. 17).

Em consonância com o disposto no art. 27, a Administração Fazendária, no desempenho de suas atribuições, pautará sua atuação de forma a impor o menor ônus possível aos contribuintes.

Inserto no capítulo referente aos deveres da administração fazendária, o artigo 29 declara que parcelado o débito tributário, se cumprido pontualmente o acordo, não pode o cidadão-contribuinte continuar a sofrer os ônus da inadimplência. A lei dispõe que o parcelamento do débito tributário implica novação, fazendo com que o contribuinte retorne, a este título, ao pleno estado de adimplência, inclusive para fins de obtenção de certidões negativas de débitos fiscais.

O representante do Ministério Público não mais poderá oferecer denúncia contra o contribuinte antes que a própria Fazenda Pública, por meio do devido processo administrativo, conclua que de fato ocorreu infração tributária. Destarte, a denúncia não poderá ser oferecida e recebida no início do processo ou na fase recursal, mas somente quando efetivamente encerrado o processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal. No direito penal para configurar a tipificação da conduta de sonegação é necessária a comprovação do tributo devido e não pago pelo contribuinte. Hodiernamente, pode ocorrer que o contribuinte venha ser condenado criminalmente antes do encerramento do processo administrativo-fiscal. E se este último fosse favorável ao contribuinte? Ele seria condenado pela Justiça e absolvido pelo Fisco, o que revela a possibilidade de verdadeira incoerência e insegurança jurídica, desdobrando em desprestígio tanto à administração fazendária quanto ao judiciário (art. 36).

O processo de execução fiscal somente pode ser ajuizado ou prosseguir contra quem figure expressamente na certidão da dívida ativa como sujeito passivo tributário (art. 37). Envolve a questão pontual do redirecionamento das ações executivas fiscais.

É obrigatória a inscrição do crédito tributário em dívida ativa no prazo de até 90 (noventa) dias contados de sua constituição definitiva, sob pena de responsabilidade funcional pela omissão (art. 38).

A redação aprovada do art. 40 é no sentido da defesa dos direitos e garantias dos contribuintes poder ser exercida administrativamente, individualmente ou a título coletivo (art. 40). Todavia, é sabido que o Ministério Público continua impedido, via ação civil pública, de veicular pretensões em matéria tributária (parágrafo único do art. 1.º da lei 7.347, de julho de 1985, acrescentado pela MP 2.180-35/2001).

No último capítulo, das disposições finais, o art. 41, bastante festejado, autoriza o Poder Executivo a instituir programa de recuperação e revitalização das empresas, modulando o fluxo de pagamento dos impostos inadimplidos em função do faturamento mensal.

Concluindo, o código estadual de defesa do contribuinte merece destaque pela tentativa de melhorar a relação entre o contribuinte e o Fisco no Paraná. O importante é que a lei tem por objetivo primordial renovar e fortalecer a `cidadania fiscal’ do contribuinte e aplicar o princípio da justiça tributária num momento em que a modernização fiscal se faz absolutamente necessária.

Mario Paulo Machado Nomoto é advogado tributarista em Maringá, especializando em direito tributário pela COgeae (PUC-SP), ex-assessor jurídico do município de Maringá, graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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