Cheque em branco

O Congresso, em especial a Câmara dos Deputados, deveria estar atento para reverter o processo de queda vertiginosa de seu prestígio junto à sociedade. Casa do povo, dá a impressão de que se tornou a ?casa-da-mãe-joana?. Seu prestígio foi sendo desgastado por episódios pontuais, até que estourou o escândalo do mensalão. Ele tem em parlamentares os sujeitos passivos de um gigantesco e vergonhoso processo de corrupção em que venderam apoio ao governo. Nesse episódio maior, porém não único entre os que mancham o seu prestígio, por alguma mágica se tem conseguido esconder da opinião pública que na corrupção há também um agente ativo. Aquele que corrompe. E aí está o poder executivo que Lula diz não ter comandado.

O processo das ?sanguessugas? parece ser o último, mas não o derradeiro. Corre em segredo de Justiça e envolve deputados que participaram de uma gangue organizada para negociatas com ambulâncias para prefeituras, superfaturadas e compradas com dinheiro público consignado em verbas orçamentárias. O Supremo Tribunal Federal, face ao foro privilegiado que faz dos parlamentares ?farinha de outro saco?, já autorizou as investigações e processos.

Já estamos em plena campanha eleitoral, hora de deputados se aquietarem para interromper a trajetória de queda vertiginosa do prestígio da Câmara e impedir que a Nação acabe desacreditando na própria democracia. Entretanto, mais uma vez arriscam-se os deputados federais, desta vez estudando a criação de uma verba à sua disposição para gastarem livremente, de acordo com suas conveniências. O presidente Aldo Rebelo mandou estudar o assunto, que se inspira em procedimento já existente nos Estados Unidos, o que não é garantia de licitude ou conveniência.

Como se sabe, além de seus subsídios, os deputados recebem por mês mais R$ 38.500,00 cada um. Esse dinheiro é carimbado, ou seja, está especificado quanto e em que deverão ser gastos. É um tanto para auxílio moradia, outro para pagamento de telefones e outros meios de comunicação, verba para passagens aéreas, etc. Assim discriminadas, essas verbas não podem ser usadas para outra coisa. Na prática, o que se tem verificado é que muitos deputados não gastam nas despesas carimbadas e, num jogo de transferências e documentação duvidosa, acabam até embolsando parte desse dinheiro, assim engrossando seus subsídios. Aí não entram os R$ 50.818,87 de que dispõe cada deputado para contratação de funcionários.

Em princípio, a verba globalizada, sem carimbo para despesas que teriam de ser comprovadas apenas a posteriori, não é um mal. Mas o mau conceito do parlamento, a prática do desvio de recursos e os muitos escândalos em que deputados vêm se envolvendo não recomenda uma providência tão liberal.

Há de se crer que é possível, se bem que improvável, que um deputado não gaste o dinheiro do povo que é posto a seu dispor. Um que tenha casa própria, por exemplo, não precisa de auxílio moradia. Por que não abre mão desse dinheiro, não o subtraindo do povo que é quem, em última instância, paga a conta? Com a nova verba, nem esse milagre de decência será possível.

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