Chega de arrocho!

Com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, os trabalhadores assalariados alimentaram muitas expectativas. Pela primeira vez, um torneiro mecânico, que iniciou a vida política dentro do movimento sindical, lutando por salários dignos e melhores condições de trabalho, alcançou a Presidência da República. A eleição de Lula simbolizava a ascensão social da classe trabalhadora, e ele próprio é um exemplo de self-made-man. Dentro do partido, não faltam exemplos de líderes oriundos do sindicalismo. O senador Paulo Paim (PT-RS) é um deles. Sua atuação parlamentar sempre foi marcada pela defesa do salário do trabalhador.

As decepções com os governos Sarney, Collor, Itamar e FHC aumentaram a responsabilidade da administração petista. Porém, em nome da estabilidade, da governabilidade e de outras “idades”, o início do governo Lula frustrou os eleitores que esperavam mudanças imediatas. Nas áreas econômica e social, a nova gestão ainda parece ser uma espécie de terceiro mandato de FHC. Pode ser só uma impressão, já que a conjuntura herdada da era FHC obrigou Lula a agir com cautela, para evitar a explosão do dólar, do risco-Brasil e da inflação. Mas essa cautela às vezes parece excessiva. Velhas bandeiras de luta do PT foram deixadas de lado, pelo menos por enquanto. Uma delas é a defesa do salário do trabalhador.

No governo Figueiredo, quando o Congresso aprovou leis de arrocho salarial, o PT e outros partidos de oposição ao regime militar (PMDB e PDT, já que o PTB era uma espécie de linha auxiliar do PDS) sempre se posicionaram contra essas medidas. Com a redemocratização, o PMDB passou a fazer parte do governo Sarney, que acabou adotando medidas de arrocho semelhantes. O Plano Bresser, por exemplo, estabeleceu novo congelamento, como no Plano Cruzado. Só que, para efeito de reposição salarial, a inflação da primeira quinzena de junho de 1987 foi simplesmente “esquecida”. Na oposição, o PT sempre combateu esse tipo de assalto ao bolso do trabalhador.

No início do governo Collor, em 1990, foi abolida a política salarial e passou a valer a “livre negociação”. Mas o “tigre da inflação” sobreviveu ao “único tiro” disparado pela equipe econômica collorida. Por pressão da oposição e do movimento sindical, os salários tiveram que ser novamente indexados para manter o que restava do seu poder aquisitivo. Depois veio o governo Itamar e o Plano Real. A conversão dos salários em URV acabou tornando definitivas as perdas que vinham ocorrendo. FHC foi eleito e, repetindo Collor, resolveu atropelar a Constituição de 1988 e desindexar os salários, como se o trabalhador fosse o vilão da economia. Com a livre negociação, algumas categorias passaram a ter perdas, pois não é fácil garantir a reposição salarial na base da “livre negociação”.

Não custa lembrar que a Constituição, em seu artigo 7.º, inciso VI, assegura ao trabalhador a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Sem a reposição das perdas provocadas pela inflação, o valor real do salário cai e reduzir salário, sem que haja acordo ou convenção autorizando, além de ser imoral, é inconstitucional. Os eleitores de Lula esperam que essa fase de “arrumar a casa” termine logo e o governo tome alguma providência para acabar com esse arrocho imoral e inconstitucional instituído por FHC.

Ari Silveira

(ari@oestadodoparana.com.br) é chefe de Reportagem de O Estado e espera que Lula não o decepcione

Voltar ao topo