Chapéu alheio

No Brasil se faz muita média em política com o chapéu alheio. Um exemplo recente ocorreu na semana passada, em Feira de Santana, cidade distante pouco mais de cem quilômetros de Salvador, onde era inaugurada festivamente e, portanto, com uma multidão de assistentes-eleitores, uma fábrica da empresa suíça Nestlé. Lula compareceu ao lado do governador da Bahia, o também petista Jaques Wagner. Sucederam-se os discursos, o principal dos quais, obviamente, o do presidente da República, que aproveitou a ocasião para falar do momento atual auspicioso para captação de recursos externos e internos. Para ele, não existe a possibilidade de o País jogar fora a chance de crescer vigorosamente, ?como já jogamos tantas vezes em nossa história?.

?A história do Brasil é cheia de momentos auspiciosos em que a gente dormia achando que estava tudo certo, mas depois acordava de manhã com mudanças bruscas na economia, quando os empresários e o País perdiam e os trabalhadores eram as grandes vítimas?, afirmou Lula de certa forma fazendo com que antecessores e ele próprio vestissem a carapuça da descura e falta de iniciativa adequada e no momento azado. Uma verdade, e sem dar nome aos bois, portanto aplaudível.

Lula desfilou números dos sucessos de seu primeiro mandato e não se esqueceu em falar do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o grande projeto de crescimento econômico de sua segunda gestão e que para ele tem ?cabeça, tronco e membros, dia para começar e dia para terminar?. Aí, foi impreciso, pois o PAC, se é que tem cabeça, tronco e membros, está desde logo sendo desarticulado por divergências políticas e mesmo conceituais sobre as melhores formas de captação de recursos e sua aplicação no desenvolvimento do País. Quanto a datas de início e término, afirmou, mas não declinou.

O que não se esperava era que em uma ocasião tão festiva e significativa porque no interior da Bahia era inaugurada uma fábrica que dará emprego a muita gente, o prefeito de Feira de Santana, José Ronaldo, do PFL, criasse para os ilustres visitantes, comandantes do País e do estado, uma situação de desagradável constrangimento. Discursando, o prefeito creditou os méritos pela instalação da indústria ao ex-governador da Bahia, Paulo Souto, do seu partido e adversário político das ilustres autoridades petistas que estavam aboletadas no palanque.

O prefeito agradeceu ao presidente Lula pelos investimentos realizados na Bahia, mas acrescentou: ?Agradeço ainda mais ao governador Paulo Souto pela inauguração da fábrica. Ninguém trabalhou mais para trazer esta unidade do que meu amigo Paulo Souto e isso tem que ser dito por uma questão de justiça?. Jaques Wagner, que derrotou Paulo Souto no último pleito, não teve outra saída senão devolver o chapéu alheio a Souto dizendo: ?O governo passado trabalhou bem e trouxe a Nestlé para a Bahia. Eu apenas dei sorte de ganhar as eleições e participar da inauguração da fábrica?. Desta vez a ?cortesia com o chapéu alheio? foi desfeita, mas quantas houve e continuam acontecendo por interesses político-eleitoreiros Brasil afora? Uma forma freqüente de assim hipocritamente agirem é atribuir-se méritos que pertencem a outros níveis de governo. É prefeitos dizendo que fizeram o que foi feito por governadores e vice-versa. E o governo federal chamando a si as honras de medidas e obras que se devem a governos estaduais ou a prefeitos. Não é tão grave quanto carregar dólares na cueca, mas pegar o chapéu do outro, recheado de dinheiro, e pôr na própria cabeça não nos parece uma forma decente de fazer política.

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