Centrais sindicais, extinção da contribuição sindical e controle pelo TCU

As seis centrais sindicais (CUT, Força Sindical, CGTB, NCST, UGT e CTB), decidiram pressionar o Senado Federal para a rejeição às emendas aprovadas na Câmara dos Deputados ao projeto de lei que legaliza as Centrais Sindicais (PL 1990/2007). Aproveitando o projeto de lei encaminhado pelo governo federal, em consenso com as Centrais Sindicais, a maioria dos deputados federais votou emendas alterando substancialmente o teor da proposição. Uma das emendas praticamente extingue a contribuição sindical apenas para as entidades de trabalhadores, sem prever outra forma de sustentação. E a outra emenda possibilita que o Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalize as centrais sindicais. As emendas receberam aplausos no jornal O Estado de S.Paulo, no texto da redação ?Emenda melhor que o soneto?(em 21/10/07).

As emendas aprovadas

A emenda de autoria do deputado Augusto Carvalho (PPS/DF) altera o art.582/CLT, condiciona o desconto no salário do empregado a título de contribuição sindical anual à autorização expressa do trabalhador, em contradição com o caráter compulsório do pagamento estabelecido no art.579/CLT: ?os empregadores deverão descontar da folha de pagamento dos empregados relativas ao mês de março de cada ano, desde que autorizados individualmente por estes, a contribuição sindical devida aos respectivos sindicatos?. A emenda atinge a todos os sindicatos de trabalhadores, mas não aos sindicatos patronais, preservados pelos parlamentares. A votação foi de 215 a favor, 161 contra e 7 abstenções.

O projeto de lei apenas adentra a questão da contribuição sindical para modificar a CLT no que se refere ao sistema de distribuição, mas não quanto ao recolhimento compulsório. O artigo 5.º altera os artigos 589, 590, 591 e 593 da CLT, que passam a vigorar com a seguinte redação: (1) Art.589 – I – para os empregadores: a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente; b) 15% (quinze por cento) para a federação;c) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e d) 20% (vinte por cento) para a ?Conta Especial Emprego e Salário?; II para os trabalhadores: a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente; b) 10% (quinze por cento) para a central sindical; c) 15% (quinze por cento) para a federação; d) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e d) 10% (dez por cento) para a ?Conta Especial Emprego e Salário?. Ou seja, na disposição legal anterior a Conta Especial Emprego e Salário, do governo federal, recebia 20% do montante arrecadado, restando agora com 10%, destinados a ser dividido entre as Centrais Sindicais. Com referência a esses recursos às Centrais, o deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB/SP) afirmou:?É dinheiro para líder sindical fazer política? (O Estado de S.Paulo, 21.10.2007)

O deputado do PPS não cuidou de emendar os percentuais da distribuição, mas aproveitou a oportunidade para atingir diretamente a concepção inerente à contribuição sindical, universalmente paga pelos trabalhadores e empregadores. Trata-se de manobra parlamentar visando atacar diretamente a organização sindical dos trabalhadores, enfraquecendo-a pela redução dos recursos financeiros. É preocupante o posicionamento anti-sindical da maioria dos deputados ao apoiar a proposição.

A emenda de autoria do deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB/SP) determina que ?as centrais sindicais deverão prestar contas, anualmente, ao Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos provenientes da contribuição sindical e de outros recursos públicos, que porventura venham a receber?. Também, nesta emenda, os parlamentares preservaram as confederações patronais. A emenda foi aprovada por 197 votos, contra 183 e 2 abstenções. Há um equívoco na emenda, pois a contribuição sindical não é recurso público, pois se trata de parte do salário do trabalhador, não cabendo ao TCU fiscalizar a central sindical em decorrência da referida contribuição.

Rompimento do acordo

Os dirigentes das Centrais Sindicais sustentam que são armadilhas para o movimento sindical, criadas por deputados que aproveitaram a votação do PL para tentar sufocar a organização dos trabalhadores. Afirmam que as emendas aprovadas romperam o acordo entre as Centrais e governo federal que vinha sendo construído há mais de um ano. Decidiram elaborar agenda de pressão e negociação sobre os senadores, em Brasília e nos Estados de origem dos parlamentares, para que seja mantido o texto original do projeto de lei.

O presidente da Fetraconspar e da CNTI no Paraná Geraldo Ramthun disse que o Departamento Profissional da Construção e do Mobiliário do Brasil, órgão da CNTI, filiada à Nova Central Sindical dos Trabalhadores, reunido, no dia 19 de outubro, com o movimento sindical do Centro Oeste e com a presença de diversas Federações de Trabalhadores da Construção e do Mobiliário do Brasil, manifestou seu repúdio e indignação pela aprovação das emendas ao PL 1990/07. O dirigente sindical divulga nota aprovada no evento: ?o projeto fora fruto de amplo debate entre as lideranças sindicais e o governo, sendo consenso das partes. Com isso, todas emendas sugeridas pelas lideranças sindicais visando aperfeiçoar o mecanismo sindical contido naquele projeto foram rejeitadas ao argumento de que o projeto, por ser fruto de consenso não se acataria emendas. No entanto, as entidades sindicais dos trabalhadores viram com surpresa serem aprovadas emendas que fragilizam a organização sindical dos trabalhadores brasileiros, a que torna optativa a contribuição sindical, a que aprova a intervenção do Estado na administração sindical, através da obrigatoriedade de prestar conta junto ao Tribunal de Contas de União. É total falta de bom senso afirmar que a organização sindical profissional brasileira sobreviva sem a contribuição sindical, isso por razões óbvias como, por exemplo, o tamanho do território brasileiro e ainda diante da incipiente formação social do trabalhador brasileiro. É claro que gostaríamos que o trabalhador não fosse onerado com nenhuma espécie de contribuição, no entanto a estrutura sindical, única guardiã da luta dos direitos dos trabalhadores, não suportará a contribuição opcional. Isso provoca a falência total do sindicalismo representativo dos trabalhadores. Tudo isso tão somente a ser aplicado na organização sindical profissional, enquanto que a organização sindical econômica permanece como está, gozando ainda dos ricos benefícios do sistema ?S?, com a sua contribuição compulsória, aplicada a todos os membros de sua categoria. Só por ai verifica-se o grave desequilíbrio provocado com as emendas aprovadas, na última terça feira. Quanto à fiscalização, somos totalmente a favor da transparência e à efetiva fiscalização de todo e qualquer recurso arrecadado pelo sindicato, porém por outros mecanismos, e não por intervenção estatal. Conclamamos todos os seguimentos organizados na estrutura sindical de trabalhadores, em todo o Brasil, a lutar, empregando todo o empenho junto ao Senado Federal, para que sejam derrotadas tais emendas, evitando assim a desestruturação da organização sindical dos trabalhadores brasileiros?.

O presidente nacional da CUT Artur Henrique, afirmou que ?todos sabem quais as concepções que as centrais têm sobre o imposto sindical. A CUT defende seu fim. Mas o PL que negociamos é fruto de um esforço de unidade. Trata-se de um acordo que prevê, inclusive, uma transição do imposto para uma outra forma de sustentação. E acordo fechado é acordo para ser cumprido. O mais grave da manobra de alguns deputados foi atacar o imposto só para entidades de trabalhadores, e manter o imposto só para as entidades patronais. Isso é um ataque à nossa organização?. Para o presidente da Força Sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva, a decisão de alguns de seus pares foi um ?golpe?, mas que será derrotado. ?Se mantivermos unidade em torno do acordo que gerou o PL, não seremos vencidos. Acredito que o objetivo desses deputados é enfraquecer o movimento sindical a partir das centrais, depois os sindicatos de base e, em seguida, atacar sem dó os direitos dos trabalhadores?.

Carlos Lupi, ministro do Trabalho, participou da reunião das Centrais Sindicais, comunicando ser o ?fiel depositário? do acordo do reconhecimento das centrais e que vai insistir na tese de que os repasses para as entidades patronais nunca são questionados pela imprensa ou por parlamentares conservadores. ?Por que para os patrões pode? Desafio qualquer um a me provar que existem sindicatos em qualquer lugar do mundo que vivam sem nenhum recurso. Se não for compulsório, que se estude uma outra forma, mas simplesmente acabar não é possível. Vai acabar com os sindicatos?.

Análise de José Pastore

Significativamente, dois dias antes da votação na Câmara dos Deputados, a 16 de outubro, artigo do professor José Pastore, da FEA-USP, publicado no jornal ?O Estado de S.Paulo?, aborda as questões de que tratam as emendas aprovadas. Eis trechos daquele artigo ?Os recursos das centrais sindicais? (1) ?No projeto em tela, as centrais são definidas como entidades associativas de direito privado, sem prerrogativas sindicais? (2) ?Se aprovada, a lei vai permitir repassar às centrais sindicais 50% dos recursos da contribuição sindical dos trabalhadores que cabem ao Ministério do Trabalho. Essa é uma nova pretensão, pois as centrais sempre quiseram extinguir aquela contribuição, que tira, compulsoriamente, um dia de salário por ano dos trabalhadores. Várias emendas foram encaminhadas à Câmara dos Deputados. Mas há um aspecto que está a descoberto. Como será feita a prestação de contas de uma entidade que não é sindical?? (3) ?Em visto disso, pergunto: 1) a isenção de prestar contas garantida às entidades sindicais valerá para as organizações não sindicais?; 2) a imunidade tributária será aplicável a elas?; 3) o Tribunal de Contas e os demais órgãos de fiscalização e controle terão algum papel em relação ao uso daqueles recursos?? O texto do professor Pastore apresenta situação comparativa do recolhimento de recursos aos sindicatos e o controle dos mesmos, a partir de exemplos oriundos dos Estados Unidos da América do Norte: ?Pelo novo sistema, as entidades sindicais são obrigadas a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais sobre o uso de recursos pagos pelos empregados. O governo não os analisa nem os julga, mas atua como um intermediário, organizando as informações e as colocando à disposição dos trabalhadores que, via internet, e com senha própria, escarafuncham as contas das entidades sindicais até o último centavo?.

Contrabando e golpe

Comentando a decisão da Câmara dos Deputados, João Batista Lemos, coordenador nacional da Corrente Sindical Classista, ligada ao PCdoB, afirma: ?Trata-se de uma mudança na Contribuição Sindical…, que deixaria de ser compulsória, não podendo mais ser descontada sem a prévia autorização do trabalhador ou trabalhadora. A redação aprovada pelos deputados dispõe que ?os empregadores deverão descontar da folha de pagamento dos empregados relativas ao mês de março de cada ano, desde que autorizados individualmente por estes, a contribuição sindical devida aos respectivos sindicatos?. Tal contrabando acrescido ao projeto original que foi enviado pelo governo Lula com o merecido apoio de todas as centrais sindicais contempla concepções liberais defendidas por certos setores do movimento sindical. Mas a maioria dos sindicalistas brasileiros repudia esse golpe por um motivo muito simples e inequívoco: vai enfraquecer os sindicatos, na base, e as centrais sindicais e, por conseqüência, reduzir o poder de fogo da classe trabalhadora na luta contra o capitalismo neoliberal e em defesa dos direitos sociais. Não é por outra razão que obteve o apoio da direita. …Por que essa onda toda contra a contribuição compulsória cobrada para sustentar as organizações dos trabalhadores, que constitui uma fração ínfima, inexpressiva, da carga tributária nacional e é indispensável ao financiamento das lutas? Isto só encontra explicação racional no objetivo de enfraquecer os sindicatos, que faz parte da feroz ofensiva neoliberal contra as forças do trabalho. Essa intenção mal disfarçada transparece quando se verifica que o senhor Carvalho, autor da alteração, faz uso de dois pesos e duas medidas: propõe o fim da obrigatoriamente da contribuição para as organizações trabalhistas, mas mantém o caráter compulsório da taxa que sustenta as entidades patronais. Conforme notou o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), que é do ramo, ?isso mantém a estrutura sindical patronal forte, com imposto, e fragiliza a estrutura sindical dos trabalhadores, algo inaceitável?. Outra mudança aprovada pela maioria dos deputados federais em adição ao texto original, esta de autoria do deputado tucano Antonio Carlos Pannuzio (PSDB-SP), prevê que as contas das entidades sindicais sejam submetidas ao monitoramento e julgamento do Tribunal de Contas da União (TCU). Essa alteração constitui um atentado ao princípio da autonomia e liberdade sindical, consagrado na Constituição, e uma forma de atrelar os sindicatos ao Estado. Mais uma vez, a norma só vale para a classe trabalhadora. As entidades patronais foram poupadas do constrangimento, numa prova de que estamos diante de uma provocação rasteira ao movimento sindical. O projeto que legaliza as centrais, encaminhado pelo governo Lula, foi produto de um consenso das principais lideranças do sindicalismo nacional e conta com o aval de todas as centrais, obtido depois de exaustivas negociações. Por essa razão, dirigentes de todas as centrais (inclusive da CUT, que divulgou nota repudiando as alterações propostas pelos deputados do PPS e PSDB) se opõem à provocação e iniciaram um processo de mobilização para restaurar o espírito original (e unitário) da lei. As controvérsias em torno da Contribuição Sindical são legítimas e devem continuar sendo debatidas, mas os dirigentes têm consciência de que esta não é uma forma aceitável de solucionar o problema e não pretendem fazer o jogo da direita, apostando na divisão. O projeto aprovado pela maioria dos deputados ainda vai à apreciação do Senado antes de ser encaminhado ao presidente Lula, que pode ou não vetá-lo. É preciso que o movimento sindical se mobilize desde já para sensibilizar os senadores a corrigir o erro da Câmara. Se não for assim, caberá ao presidente vetar os dispositivos que alteram a legislação que foi por ele proposta com o apoio do conjunto das centrais. A democracia, assim como a luta por um novo projeto de desenvolvimento, com soberania e valorização do trabalho, demanda o fortalecimento das entidades sindicais?.

No Senado Federal

A matéria será examinada e votada no Senado Federal, a partir da Comissão de Assuntos Sociais, podendo ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça. O senador Paulo Paim (PT/RS) antecipou que pretende ser o relator do projeto de lei e que, neste sentido, proporá o restabelecimento da redação original, fruto do acordo entre o governo, entidades sindicais patronais e de trabalhadores. Ocorrendo alterações na redação definida pela Câmara dos Deputados, a matéria voltará para nova votação naquela Casa.

?Deus dá a todos uma estrela. / Uns fazem da estrela um sol. / Outros nem conseguem vê-la.? (?Dom?, poesia de Helena Kolody, nascida de pais ucranianos em Cruz Machado, PR, em 12/10/1912. Faleceu, em Curitiba, a 15/2/2004).

Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal (PT/PR). E.mail:edesiopassos@terra.com.br

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