Caro Noel Nascimento

É com grande júbilo que li o seu livro Arcabuzes. Quando terminei a leitura (já sou um homem que passou dos 40 anos), lembrei-me dos arroubos da juventude, dos meus 17, 18, 25 anos, quando tive por companheiros Dostoievski, Tolstoi, Gogol, Henry Miller, Machado, Manoel Bandeira, Guimarães Rosa, escritores que você bem conhece. Sabe Noel, quando mais jovem, eu amava tanto esses escritores que sentia vontade de conhecer a vida deles em seus pormenores. Gostaria de ter conhecido Perspectiva Nevski por onde caminhava Dostoievski, é piegas mas é a verdade. Tinha como herói o grande escritor americano Henry Miller, que quando morreu em 1980, senti profundo pesar, pois desejava conhecê-lo pessoalmente. Puxa, todas as pessoas pelas quais tinha realmente admiração, já haviam morrido há muito.

Foi quando um dia desses tive a boa ventura de ter em minhas mãos o seu livro, quase que por acaso, aqui neste canto de mundo que se chama Pinhais, Estado do Paraná. Um livro que você doou para uma sra. Rosilda, a qual não conheço, mas vi tua dedicatória e quando comecei a primeira página não consegui mais parar de lê-lo. Parece que tenho faro para bons livros. Bem, nesse momento, percebi que minha busca havia terminado, pois havia encontrado alguém que retrata bem a sua aldeia e era alguém vivo. Demorou mas percebi que todos aqueles escritores que amava, morassem talvez aqui perto de mim. Isso encheu-me de contentamento, pois soube que estava diante de algo grande, o teu livro, e diante de uma grande escritor que sabia o que era nadar cachorrinho e arrancão, termos que faziam muitos anos não ouvia. Ei, ei, pessoal, não deixemos passar despercebido, o nosso meio existe um jovem de 79 anos que não perdeu seus sonhos, clamemos nos alto-falantes, falemos a boca pequena, tem alguém que conservou o bom vinho até agora, temos um tal de Noel que não é alguém de uma geração, mas de todas até agora, e pasmem é um dos nossos, mora aqui bem pertinho.

Olhe, não sou literato, julgo himildemente que possuo uma cultura mediana, mas sei avaliar um bom livro. Consigo beber com avidez e grande prazer a boa leitura. Fico eletrizado diante da tamanha engenhosidade, conhecimento e laivos de cultura que emanam de Arcabuzes, além dos arremessos que nos levam a imaginação, com os quadros que formamos na mente, quando nos deparamos com sua rica leitura. Mudei minha forma de ver muitas coisas. Soube por exemplo que onde vivemos, aqui na Curitiba, na Ponta Grossa ou na Lapa, houve num passado não muito remoto, uma guerra terrível entre irmãos, que se vivemos hoje aqui tranqüilos, de papo para o ar, muitos morreram, adubaram este solo com sangue, suor e lágrimas. Houve aqui uma guerra, esquecida e não conhecida pela maioria de nós, não divulgada hoje. Vejo a figura do Marechal de Ferro com grande admiração e simpatia depois de descrito pelo Noel. Vejo a podridão e oportunismo da igreja católica da época, que não queria perder a teta da monarquia, para não falar do enredo do romance, que é belo, real, parece que os personagens moram aqui ao lado, que Chando era meu amigo de infância.

Bem, vi muitos elogios tecidos a você. Todos merecidos. Sabe, aprendi muito da história do nosso País, lendo seu romance. Creio que deveríamos adotar essa forma de aprender, lendo algo que nos dá satisfação. Nunca esquecemos os conceitos, a poesia, realmente é prazeroso aprender algo assim.

Depois de 40 anos, muitas pessoas já se amoldaram aos moldes do mundo, muitas se tornaram amargas pelas pressões, pelos problemas materiais, por uma série de fatores. Todavia, acredito que não devemos perder a fé, não podemos matar o talento que todos nós herdamos algum. Vejo amigos de infância que eram crianças adoráveis tornarem-se escravas do sistema, amargosas, problemáticas, alienadas, sem afeição natural, nada amorosos. Meu Deus, parece que estamos todos soltos e sós, jogados à própria sorte, numa arena.

Bem, não vou me alongar mais. Não me perdoaria se não pudesse me expressar para você.

Olhe, estou torcendo sempre por você.

Com carinho do seu leitor.

Marcos Olímpio Albuquerque – Curitiba

Voltar ao topo