?Caótica e lamentável?

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou o documento final do Acampamento Terra Livre, encontro realizado entre os dias 15 e 17 do mês passado. Cerca de 800 índígenas de todo o País acamparam na Esplanada dos Ministérios com o objetivo de debater políticas públicas indigenistas e pedir apoio ao poder público. Na oportunidade, os índios criticaram também a posição do governo em relação às terras da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. O documento do Inesc afirma que ?a demarcação e regularização das terras indígenas na faixa de fronteira em nada compromete a integridade e a soberania do Brasil?.

Naquela área há conflitos entre os interesses dos índios aldeiados e os brancos, plantadores de arroz. Enquanto os índios reivindicam terras contínuas, os brancos pregam que se lhes dêem reservas que preservem os arrozais dos brancos e até mesmo cidades que existem há muitos anos em espaços alternados com os reclamados pelas tribos. Acresce que se trata de região de fronteira onde é reclamada a presença e ação das forças armadas por uma questão de soberania nacional.

O general Augusto Heleno Ribeiro, comandante militar da Amazônia, em palestra que proferiu no Clube Militar, no Rio de Janeiro, criticou severamente a política indigenista oficial, a considerou ?caótica e lamentável?, dissociada do processo de colonização do País, de forma que ameaça a soberania nacional. O comandante militar da Amazônia foi secundado pelo general do Exército Gilberto de Figueiredo, presidente do Clube Militar, que endossou suas severas declarações.

O dito pelo presidente do Clube Militar é relevante, mas não se trata de um general da ativa. Já as declarações do general Augusto Heleno calaram fundo, pois além de ser da ativa, é comandante do 5.º Exército, com jurisdição na Amazônia e inclusive na região das terras disputadas pelos índios e os arrozeiros, na fronteira do Brasil com a Venezuela, país que já provou, com Hugo Chávez, não ter muito apreço pela paz com os demais vizinhos da América Latina.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou para uma conversa aquela autoridade militar e tudo parecia ter se amainado. Pelo menos isto se deduziu de um relativo silêncio sobre o assunto nos meios de comunicação. Isto até agora, quando o líder do PT no Senado Federal, senador Tião Vianna, decidiu requerer a convocação do general Augusto Heleno na Câmara Alta, para dar explicações sobre suas declarações. Declarações que o senador não considera legítimas por, em sua opinião, ferirem a hierarquia, já que contrárias à política do governo federal. De parte do líder oposicionista, senador Agripino Maia, do DEM, foi feita uma veemente defesa do comandante da Amazônia.

Lembrando o comportamento leniente do governo Lula com relação aos movimentos dos sem terras e daqueles que, sob diversas siglas e com a mesma bandeira, na verdade invadem próprios públicos, interrompem obras públicas e insistentemente obstaculizam o funcionamento de instalações de empresas privadas como a Vale do Rio Doce, o senador Agripino confrontou as duas atitudes: de um lado situacionistas querendo chamar às falas uma autoridade militar por denunciar uma política que considera errônea e desastrosa em relação à divisão de área de fronteira entre índios e arrozeiros, em meio a antigas propriedades e ate cidades; e de outro a desobediência civil e o enfrentamento do poder estatal por grupos civis armados, sob a bandeira da reforma agrária, formados muitos deles por trabalhadores urbanos desempregados, militantes políticos de esquerda e agitadores.

Há um legítimo movimento dos sem terras. O que nem sempre é legítimo é a forma como atua, desafiando as autoridades constituídas e atacando alvos que nada têm a ver com reforma agrária.

Indaga o senador Agripino Maia se não é mais legítima a intervenção do general Augusto Heleno que alerta sobre problemas que chegam a afetar a segurança nacional. Intervenção que fez num discurso e num desabafo, mas que, certamente, pelas vias oficiais, já deve ter denunciado muitas vezes. E veja-se que pela posição que ocupa, deve saber muito bem o que está dizendo.

De um lado, crítica para chamar à ordem. De outro, a desordem tolerada e às vezes até estimulada. Já há, no Senado Federal, quem entenda que melhor do que criar uma questão militar com a convocação do general comandante do 5.º Exército seria deixar no âmbito do Ministério da Defesa e nas entranhas do governo federal a discussão e solução do que está sendo considerado quebra de hierarquia diante de uma política ?caótica e lamentável?.

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