Violência na Febem tem origem na precariedade

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Situação precária: impossibilidade
de recuperação.

São Paulo – Mãe de sete filhos, dois deles adotados após deixarem a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem/SP), a presidente da Associação de Mães de Crianças e Adolescentes em Risco (Amar), Conceição Paganele, de 49 anos, vive hoje sob ameaça de morte. À frente de um grupo de 200 mães que buscam melhores condições para meninos e meninas que lotam as unidades da entidade que mantém menores infratores, ela disse que foi perseguida na rua e recebe telefonemas diários para que deixe de denunciar os maus tratos sofridos pelos internos. Desde que o seu filho de 15 anos foi preso por roubo pela primeira vez, em 1998, Conceição decidiu lutar pelos direitos dos internos da Febem.

?Funcionários demitidos da Febem -por causa das denúncias – me seguiram duas vezes. Já jogaram até uma caminhonete para cima de mim dentro da unidade do Tatuapé. Além disso, recebi vários telefonemas anônimos?, conta Conceição – que tenta explicar o motivo de tantas rebeliões na Febem: ?Os menores não têm atendimento técnico, aula nem saúde. Só resta se rebelar. Chega um momento em que muitos estão doentes e não têm sequer uma enfermeira para atender. É por isso que eles vão para cima dos telhados?, conta. Os meninos não têm sabonete para tomar banho ou produto para limpar banheiro. Cerca de mil funcionários foram sumariamente demitidos há alguns meses.

?Quem está lá dentro são pessoas a quem temos muitas restrições. E muitos funcionários estão voltando, mesmo demitidos nessa gestão. Estão retornando para as unidades. Eles nem bem voltaram e já mostram toda a truculência.?

Como coordenadora de um grupo de 200 mães que trabalham voluntariamente nessas unidades, Conceição acredita que sua atuação ajuda a inibir a tortura. ?Tanto é verdade que assim que eles (funcionários) partem para medidas truculentas a primeira ordem é deixar todo mundo de fora.? Ela conta que a tortura voltou: ?Espancamento, principalmente. Uma ação que tinha parado desde janeiro. Mas que retomou ontem (na quinta-feira). Isso tinha acabado depois da prisão de 16 pessoas que participaram de uma sessão de espancamento na unidade da Vila Maria. Mas com novos comandos, a segurança está agredindo os meninos. E os meninos estão confinados em alas coletivas, sem banheiro?. Conceição conta que tem ouvido relatos de funcionários que facilitam fugas: ?Já teve momento de facilitação, sim. Com 200, 300 meninos fugindo, só com alguém ajudando. Os garotos estão descendo até pelo esgoto. Eu mesma consegui pegar seis dentro do esgoto e levei para dentro da unidade. Fico pensando qual o preço da liberdade para os que fogem em bueiros. Esses funcionários facilitam ainda a entrada de droga e celulares?. Conceição é pessimista sobre a possibilidade de a instituição ser capaz de recuperar o menor infrator: ?Nos moldes em que a instituição está. Enquanto não se desmontar unidades de 100, 150 menores, a solução estará longe.?

Calcanhar-de-aquiles de Alckmin

São Paulo – Há anos em crise, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) tem sido palco de denúncias de tortura, fugas, rebeliões e mortes de funcionários e menores infratores. A falta de controle do governo sobre as 74 unidades e os 6.600 menores espalhados por São Paulo aumenta a cada ano. Desde janeiro, 1.006 jovens fugiram e apenas 507 deles foram recapturados. O número é superior aos registros de todo o ano passado, quando 933 internos conseguiram escapar. O número de rebeliões chegou a 26 somente este ano, contra 28 em 2004. Os motivos para o descontrole são variados. Da superpopulação a denúncias de prática de tortura, passando ainda por acusações de falta de estrutura, a Febem tem se tornado o calcanhar-de-aquiles do governador Geraldo Alckmin (PSDB). No início, 25 de um grupo de 40 funcionários acusados de torturar menores tiveram a prisão decretada. Eles foram acusados de espancar internos da unidade da Vila Maria. Laudos apontaram lesões em 84 adolescentes. Alckmin demitiu 1,7 mil funcionários que teriam responsabilidade sobre o caos na Febem. Sob pressão, readmitiu uma parte deles. A Febem-SP é uma instituição ligada à Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania. Tem como ?objetivo primordial? aplicar em todo o estado as diretrizes e as normas dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, ?promovendo estudos e planejando soluções direcionadas ao atendimento de crianças e adolescentes na faixa de 12 a 18 anos, autores de ato infracional?, explica o seu site oficial. A Febem tem por finalidade, entre outras: cumprir as decisões da Vara da Infância e Juventude; elaborar, desenvolver e conduzir programas de atendimento integral, que incluem a profissionalização e a reintegração social do adolescente; selecionar e preparar pessoal técnico necessário à execução de seus programas e objetivos, e aprimorar a sua capacidade profissional, mantendo para isso atividades de formação contínua e aperfeiçoamento e participar de programas comunitários e estimular a comunidade no sentido de obter a sua indispensável colaboração para o desenvolvimento de programas de reintegração social e/ou cultural, educacional e profissional dos adolescentes.

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