Supremo pode acabar com impunidade

Foto: Gervásio Batista/Agência Brasil
Presidente do STF, Ellen Gracie: "Sensação de impunidade vem do fato de que temos uma processualística muito rebuscada".

Um dia após ter assumido a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Ellen Gracie Northfleet disse ontem que há uma sensação de impunidade e que a corte está aparelhada para julgar processos complexos e de grande repercussão, como o inquérito no qual o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, denunciou 40 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema do mensalão.

"Eu acho que existe sim uma sensação de impunidade. Uma sensação de impunidade que não é de hoje e vem do fato de que temos realmente uma processualística, especialmente na área criminal, muito rebuscada", afirmou a ministra em sua primeira entrevista após a posse, na qual surpreendeu ao aparecer de calça comprida. Ela sempre usa vestidos e saias. Na entrevista, Ellen fez observações sobre a tramitação do inquérito do mensalão. "O Supremo Tribunal Federal já examinou casos como esse, muito difíceis e de grande repercussão, e está aparelhado para processá-los", disse.

A ministra demonstrou discordar da opinião do relator do inquérito no STF, Joaquim Barbosa, que na semana passada afirmou que a tramitação do caso no STF pode ser demorada, em parte, por causa do foro privilegiado, que garante a congressistas e outras autoridades o direito de serem investigados e processados no Supremo.

"Os prazos processuais são exatamente os mesmos tanto aqui no STF quanto seriam na 1.ª instância. Não há uma diferença. E o direito de defesa, que é sagrado e garantido pela Constituição, precisa ser assegurado tanto aqui quanto em 1.ª instância", disse a ministra. Ao contrário de Joaquim, que disse que o foro é uma excrescência, ela é a favor dessa prerrogativa para as autoridades. "Eu acredito que seja um tratamento adequado", afirmou. "O foro chamado privilegiado significa, na verdade, que os acusados têm uma única chance de defesa e uma única chance de absolvição ou condenação", afirmou Ellen Gracie.

A ministra disse que se o colega considerar necessário poderá delegar funções a outros magistrados no inquérito e também poderá, a pedido do procurador, desmembrá-lo enviando para a Justiça de 1.ª instância as partes relacionadas a pessoas que não têm o foro privilegiado no STF.

"Se nós iniciamos um processo, por exemplo, no 1.º grau, há possibilidade de recurso ao 2.º grau, ao STJ e ao STF. De modo que, quando se fala em privilegiado, na verdade é uma chance única que os acusados têm", acrescentou.

A presidente do STF disse que achou adequada a expressão utilizada na véspera pelo procurador-geral de que as instituições estão passando por uma prova de resistência. Souza fez a observação durante discurso lido na posse de Ellen Gracie, que foi assistida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Teste de resistência é aquele momento em que se verifica exatamente a higidez das instituições", afirmou. "Vemos com satisfação que a democracia brasileira está passando por esse teste de resistência e está passando bem", declarou.

A ministra analisou durante a entrevista o projeto de lei aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, segundo o qual apenas o plenário do STF pode conceder liminares contra atos de autoridades. Somente em situações excepcionais o relator do pedido poderá despachá-lo sozinho (monocraticamente).

Ellen Gracie edita manual sobre as CPIs

Brasília (AE) – Preocupada com a temperatura do conflito entre Congresso e Judiciário provocada por decisões que prejudicaram investigações das CPI dos Correios e dos Bingos, a nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie Northfleet, decidiu editar uma espécie de manual com decisões da corte sobre a ação das comissões de inquérito.

"Conversamos com lideranças parlamentares sobre elaborar uma espécie de manual com a jurisprudência consolidada do STF a respeito das CPIs. Estamos de fato construindo uma doutrina", afirmou. "As CPIs são instrumentos poderosíssimos que o parlamento tem para averiguar e fiscalizar e que precisam realmente apenas desses limitadores que encontram o seu limite naqueles direitos fundamentais garantidos pela Constituição", ressaltou a ministra.

As sucessivas decisões de ministros do STF, como a que proibiu acesso da CPI dos Bingos ao sigilo bancário do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, desencadearam reações no Congresso. Nesta semana, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou projeto do senador José Jorge (PFL-PE) que limita o poder do Supremo de conceder liminares que contrariem decisões tomadas pelos presidentes do Legislativo (Câmara e Senado). Para derrubar essas decisões, a liminar do Supremo não poderia mais ser decidida por um ministro, mas debatida e decidida pelo plenário da corte.

"Vejo com absoluta naturalidade a iniciativa. O normal é que em um sistema colegiado (caso do Supremo), as decisões sejam tomadas de maneira coletiva", afirmou Ellen Gracie. "Não há por que tratar o assunto como uma interferência do Legislativo no Judiciário", afirmou.

Ellen Gracie observou que em CPIs anteriores chegaram a ocorrer prisões de pessoas durante depoimentos. "De tanto o STF declarar que isso não era possível, verificou-se que na última temporada de depoimentos isso não aconteceu", disse a ministra. A presidente do STF informou que já há interesse da gráfica do Senado em atuar junto com o STF na compilação das decisões recentes sobre CPIs. "O termo manual não quer dizer que ele deva ser seguido à risca, mas é apenas o resultado daquilo que já foi decidido até agora", ponderou a ministra.

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