Reeducação lingüística

Brasília – Embora seja oficialmente a língua portuguesa, o que se fala e escreve nos tribunais brasileiros nem sempre é compreensível para a maioria dos brasileiros. Alguns exemplos beiram o humor: ?O réu vive de espórtula, tanto é que é notória sua cacosmia?, escreveu um advogado à 1.ª Vara da comarca de Rosário do Sul (RS). Queria dizer que seu cliente vivia às custas de donativos, em ambiente miserável. Textos rebuscados como este estão com os dias contados.

Pelo menos no que depender da vontade da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que designou um comitê para promover a reeducação lingüística dos advogados, juízes e membros do Ministério Público. A intenção é banir das decisões e dos julgamentos do Judiciário o costume de se escrever na ordem indireta, com palavras em desuso. Os principais alvos da campanha serão os estudantes de direito. A partir do próximo semestre, a AMB promoverá palestras em faculdades para convencer os alunos de que a linguagem formal é importante – desde que não ultrapasse os limites do entendimento possível à maioria da sociedade. ?O Poder Judiciário precisa tornar compreensível sua função diante da sociedade, para que as pessoas possam entender o que está acontecendo?, diz o juiz do trabalho Roberto Siegmann, coordenador da campanha da AMB. O juiz acha fundamental que os termos em latim continuem na forma original. O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), discorda. O ministro baniu de seu vocabulário termos como ?caput?, usado para designar o enunciado do artigo de uma legislação. Ayres Britto prefere ?cabeça?.

Próxima da sociedade

Para o ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, ajudar as pessoas comuns a entender o que se passa nos julgamentos é uma forma de deixar a Justiça mais próxima da sociedade. ?Para mim, o direito demanda formalidade. Mas não precisa exagerar na dose!?, disse. O juiz Roberto Siegmann não acredita que a linguagem complicada seja uma forma de os magistrados tornarem suas decisões e comentários inacessíveis à compreensão comum. Para ele, o vício é reflexo da tradição do direito, e esse processo fez com que os advogados adquirissem outra função, além de defender seus clientes: traduzir para eles o sentido das decisões judiciais, muitas vezes incompreensíveis sem a ajuda do profissional.

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