Plano de vôo do Legacy previa três mudanças de altitude

O plano de vôo do jato Legacy que se chocou com o Boeing 737-800 da Gol mostra que além de mudar de altitude três vezes, o avião também devia mudar sua velocidade e de aerovia. Todos esses dados eram de conhecimento dos pilotos americanos do avião.

Sabiam até que iam enfrentar uma turbulência às 16h56, quatro minutos antes da colisão. Por causa disso, o plano indica até a localização da maleta de primeiro socorros na cabine de comando do jato – ao lado do banco do piloto Joe Lepore.

O planejamento de um vôo é feito pela tripulação e aprovado pelas autoridades aeronáuticas. No caso do Legacy que se envolveu no maior acidente da história aérea do País, que deixou 154 mortos, o plano previa que o jato decolasse às 14h30 do aeroporto de São José dos Campos, rumasse em direção de Poços de Caldas (MG) para apanhar a aerovia UW2 em direção a Brasília. Nessa etapa, ele estaria a 37 mil pés de altitude (11.225 metros) e a uma velocidade de 972 km/h.

Pilotos do jato estão reclusos em hotel

Até ontem, a administração do JW Marriot Hotel negava as evidências: o piloto e o co-piloto do jato Legacy que se chocou com o Boeing da Gol seriam hoje seus hóspedes mais conhecidos, ainda que por uma razão trágica. O que a administração silencia, porém, funcionários menos graduados confirmam em conversas discretas: os americanos Joe Lepore e Jan Paladino, respectivamente piloto e co-piloto, estão no hotel. Eles tiveram os passaportes apreendidos pela Justiça para que não deixem o país antes da conclusão da investigação sobre as causas do acidente.

Apesar de estarem em um hotel de luxo de nível internacional, um prédio de 16 andares, com 245 apartamentos, localizado na Avenida Atlântica, de frente para a Praia de Copacabana, um dos principais destinos turísticos do país, os americanos têm seguido uma rotina de reclusão, não deixando os quartos sequer para as refeições, de acordo com os relatos. A diária mais barata do hotel, para os quartos da categoria Quality, que não têm vista, custa US$ 265. Já a da suíte Ocean View Junior, sai por US$ 395.
Funcionários contam que dois policiais federais estão permanentemente nas portas dos quartos de Lepore e Paladino. As suas mulheres, Ellen e Melissa, desembarcaram sábado vindas de Nova York. Surpreendidas pela imprensa no Aeroporto Internacional Tom Jobim, elas não deram declarações. Segundo funcionários do Marriot, elas estiveram no hotel, mas não estão hospedadas lá.

Quando precisam deixar o hotel para se apresentar às autoridades brasileiras, o piloto e o co-piloto são cercados de cuidados, dizem os funcionários. Ontem, um Omega australiano, de cor prata com vidros escuros, estaria à disposição deles, estacionado na garagem do prédio, próximo à porta de um dos elevadores. Durante todo o dia, um Toyota com a placa azul-claro, que caracteriza os veículos a serviço de corpos diplomáticos, esteve parado na calçada, diante da entrada do Marriot.

Nos últimos dias, equipes de jornais, rádios e emissoras de televisão se revezaram em plantões no local. Até a noite de ontem, a vigília se revelou infrutífera. Correspondentes estrangeiros hospedados no Marriot também não conseguiram avistar os americanos. A concentração de jornalistas atrai curiosos, que perguntam quem é objeto de tamanha atenção. ?É o Lula??, perguntou um deles.

Liminar

O jato Legacy, que se chocou com o Boeing da Gol e causou a morte de 154 pessoas, não poderá sair do país. Uma liminar conferida no sábado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios determinou que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) será a depositária do avião. O objetivo do processo, movido pelos advogados Paulo Ramalho e Marcelo Moura de Souza é dar uma garantia de indenização a Bernardo Álvares da Silva Campos. Sua mulher, Patrícia de Souza Moreira, funcionária da Nokia, foi uma das vítimas do vôo 1907.

Na sexta-feira, o pedido dos advogados feito na . Vara Civil de Brasília foi negado. Os advogados insistiram e no sábado entraram com um agravo de instrumento. O desembargador João Mariosi concedeu finalmente a liminar. ?A ExcelAire, empresa de táxi aéreo dona do Legacy, não tem bens no país e o jatinho vale US$ 24 milhões?, diz Ramalho, um dos advogados de Campos.

Ao passar por Brasília, o plano previa que o Legacy diminuísse a velocidade para 820 km/h e a altitude para 36 mil pés (10.922 metros). Mudaria também de aerovia, passando para a UZ-6, onde rumaria até Manaus (AM). Em Teres, um ponto virtual de localização aérea, o Legacy devia subir para 38 mil (11.529 metros) e diminuir a velocidade para 808 km/h. ?Essa mudança é feita para alcançar a melhor performance da aeronave?, afirmou um oficial da Aeronáutica.

O plano previa ainda que, caso o Aeroporto Eduardo Gomes, me Manaus, estivesse fechado, o jato pilotado por Lepore pousaria no aeroporto de Boa Vista (RR). O documento foi aprovado por Welder Soares Cabrera, funcionários da Embraer, e obteve a aprovação número 286. O tempo estimado de vôo até o destino final era de 3 horas e 34 minutos, onde chegaria às 21h09 (hora local).

Transponder

O transponder do Legacy da ExceAire não estaria desligado, mas funcionando no modo stand by (em espera), no aguardo da digitação de uma freqüência de identificação no momento do choque com o Boeing da Gol. É a avaliação feita por três pilotos ouvidos pelo Grupo Estado. O transponder é o aparelho de comunicação eletrônico que emite sinais do avião ao centro de comando em terra e outros aviões. É por essa freqüência que são enviados dados do sistema anticolisão, chamado de ACAS. Os sinais identificam a aeronave com o número de vôo e a companhia aérea a que pertence.

?Não é comum perder sinal do transponder. O Legacy não estava longe de Brasília para perder o sinal?, afirmou um experiente piloto, com mais de 30 anos de trabalho. Mas uma vez sem emissão de dados de segurança, o Legacy não poderia ter sido detectado pelo Boeing.

Para o aeronauta, o transponder do Legacy estava funcionando, mas não emitiu sinal do avião para o controle de Brasília. ?O sinal desapareceu do radar, que ficou sem identificação do vôo e da companhia. É como tentar sintonizar uma rádio, antes de chegar à emissora desejada fica um chiado. No caso do transponder, antes de chegar na freqüência informada pelo comando, a identificação do avião desapareceu?, explicou o piloto. ?Foi ai que o comando começou a chamar o Legacy, por sete vezes, e não teria conseguido contato.

Identificados 91 corpos de vítimas do acidente

O Instituto de Medicina Legal (IML) de Brasília informou que foram identificadas, na tarde de ontem, mais 17 vítimas do acidente que envolveu o Boeing 737-800, da Gol Linhas Aéreas, e um jato Legacy, de fabricação da Embraer. Com isso, sobe para 91 o número de reconhecidos.

Desse total, 58 corpos já foram liberados. Em nota, o IML divulgou ter recebido, até o momento, 107 corpos.

Segundo a diretora do Instituto de Pesquisa de DNA da Polícia Civil, Cláudia Mendes, quatro corpos estão sendo identificados por exame de DNA, sendo três adultos e uma criança.

A Gol Transportes Aéreos informou ontem que iniciará os trâmites para as indenizações às famílias das vítimas do vôo 1907. Em comunicado, a companhia diz que procurou os familiares para colocá-los a par dos procedimentos a serem adotados nos próximos dias.

A empresa irá tratar sobre a indenização assim que as famílias desejarem. A interlocução será feita com o parente legalmente habilitado. A companhia afirma que pretende proporcionar ?reparação material o mais próxima possível da realidade vivida até o acidente?. ?Portanto, não haverá um valor único para as indenizações nem se pode falar em valores genericamente, pois serão tratados caso a caso?, afirma, por meio de comunicado.

A Gol reconhece que é responsável por seus passageiros. ?Cada cliente que embarca num vôo da companhia confia nela, e é obrigação da empresa cuidar para que a viagem se realize?, diz um trecho da nota.

Voltar ao topo