Não se fala das causas da crise da previdência

Li mais uma centena de artigos publicados sobre a reforma da Previdência e inúmeras declarações do ministro da Previdência sobre a reforma.

O que mais impressiona é a voragem impetuosa de se punir os servidores públicos. Beira ao irracionalismo.

A chuva de manifestações se volta para os efeitos da reforma. São poucas as que se voltam para as causas da crise estrutural fiscal, imposta pelo modelo neoliberal e globalizante.

Em todo mundo, a esquerda bate firme no modelo neoliberal e globalizante. No Brasil, inacreditavelmente, a esqueceu suas bandeiras e desfralda justamente a bandeira neoliberal e globalizante.

A crise estrutural da previdência tem algumas causas clássicas:

desequilíbrio econômico-financeiro, resultado no mau ou péssimo gerenciamento da Previdência, especialmente de 1994 pra cá, quando foi fatiada e entregue ao desmando da base política de FHC, tanto no INSS como nos fundos de pensão.

Desequilíbrio atuarial, a cada dia menos ativos contribuem para o financiamento e a manutenção dos inativos.

Desequilíbrio demográfico, com a melhoria da qualidade de vida, a expectativa de vida se ampliou o que alonga o tempo de duração do benefício;

Desequilíbrio patrimonial, de 1994 pra cá, cresceram desmedidamente as renúncias contributivas (R$ 10 bi) sobre a Previdência, o estoque da dívida (R$ 150 bi), ampliaram-se os favorecimentos através do SIMPLES e do REFIS, a corrupção (R$ 28 bi), sonegação, elisão e fraudes.

Nada, rigorosamente nada, foi feito ou anunciado, para corrigir toda sorte de infortúnios que desabou sobre o INSS nos últimos nove anos. Parece que FHC continua mandando, pois as mudanças não acontecem.

Não li nenhuma linha sobre as intervenções da reforma que se fazem necessárias para se recuperar o INSS. Deixar o INSS em situação crítica interessa aos neoliberais e globalizantes! Não se pensa nos 27 milhões de contribuintes, nos 21 milhões de aposentados e pensionistas, nos 40 milhões de excluídos.

Como o leitor pode perceber, todos se voltaram quase que exclusivamente para a Previdência do Servidor Público. Esqueceram que a 1.º Reforma da Previdência, de FHC, atingiu duramente os servidores, deles retirando-se 60 direitos e conquistas sociais, daí resultando:

sucateamento do setor público, nas áreas de saúde, segurança, educação, transportes, comunicações, etc;

colocação de milhares de servidores humildes em humilhantes cargos em extinção;

terceirização dos setores de apoio, segurança, transportes, copa, cozinha, portaria, recepção, atendimento, carpintaria, manutenção, conservação e limpeza, para que brasileiros humildes nunca mais entrem no serviço público, com acentuada suspeição de fraude e sonegação;

exclusão desses brasileiros da possibilidade de ter uma aposentadoria pública – isto, num país sério, seria motivo de denúncia do governo aos orgãos multilaterais de defesa dos direitos humanos;

desestruturação do setor público, para que os serviços ,sendo de péssima qualidade, sejam privatizados, tal como ocorreu na saúde e previdência, com 45 milhões planos de saúde e 10 milhões de planos de previdência;

A 2.ª reforma da Previdência tende a ser mais cruel, pois quer fulminar com o direito adquirido e a expectativa de direito; liquidar com a aposentadoria integral; acabar com a paridade de aumento entre ativos e inativos; uniformizar civis e militares e cobrar contribuição de inativo.

Parece até que a crise fiscal está nos gastos com pessoal, que na União, correm rigorosamente abaixo do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas ninguém quer discutir a reforma fiscal. A poupança brasileira desde 1994 vem sendo ostensivamente drenada para financiar a divida externa e interna. O que sobrou foi apropriado pela base política e pela corrupção que expropriou inclusive os bilhões de dólares da “privataria”!

Imaginar que a fixação de um teto máximo e mandar todos os servidores da União, 26 Estados, DF e 5.700 municípios para fundos de pensão vai resolver o problema das contas públicas é como imaginar que vamos trazer petróleo da lua! A União, Estados, DF e municípios nunca pagaram a sua parte na Previdência e não vão pagar. São devedores de honra do INSS, com mais de R$ 25 bilhões. Tais fundos nascerão falidos, sem falar que serão instrumentos para a base política dominante.

Insistimos na tese de que o medo está se espalhando e a esperança, como a paciência, se esgotando.

Paulo César de Souza

é presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social-Anasps, entidade apolítica que reúne 53 mil dos 88 mil servidores da Previdência Social.

Voltar ao topo