Eu conheço a “caixa-preta” do Poder Judiciário

Esta “caixa-preta” revela porque as penitenciárias estão cheias de pobres e os ricos ficam pouco tempo na prisão.

Esta “caixa-preta” revela porque há tanto acúmulo de processos.

Esta “caixa-preta” revela que há fome e sede, mas não apenas fome e sede de comida e água, o que já é muito, mas também fome e sede de justiça.

Fome e sede de justiça; isto é que nos revela a “caixa-preta”. E quem poderá saciá-las?

A Constituição Federal, em seu art. 134 diz: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5.º, LXXIV.”

O referido inciso LXXIV diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Os pobres estão lotando as penitenciárias e as cadeias porque não há Defensoria Pública adequada, apesar do esforço sobre-humano de vários defensores cujo trabalho não é reconhecido. Mas estes poucos abnegados não conseguem atender o colossal volume de serviço que os espera. Basta uma visita às prisões para se verificar o quanto os detidos estão precisando de assistência jurídica. Esta assistência, quando é dada, limita-se ao possível, ou seja, a simples requerimentos de benefícios; mas não é isto que a Constituição diz, o texto magno fala em “assistência jurídica integral”, o que significa a apresentação de recursos, a propositura de revisões criminais, a impetração de hábeas corpus, a providência adequada e tempestiva de documentos necessários para que a pessoa possa usufruir deste ou daquele benefício, e, principalmente, uma defesa efetiva, que garanta o equilíbrio da prestação jurisdicional, uma vez que de um lado está o órgão do Ministério Público promovendo a acusação através de agentes altamente preparados, e de outro lado muitas vezes vemos, principalmente no interior, mas também na capital, a defesa do necessitado ser feita apenas formalmente.

Portanto, a primeira revelação da “caixa-preta” diz que o Estado não está cumprindo o direito fundamental dos carentes de recursos, no sentido de receberem uma assistência jurídica integral e gratuita. Pode ser que haja uma razão para tanta omissão: preso não vota, ou melhor, vota, porque a Constituição, em seu art. 15, III só suspende os direitos políticos dos presos com condenação criminal transitada em julgado, mas na prática, nenhum deles, mesmo os provisórios, exercita seu direito político ativo, salvo raras exceções.

A segunda revelação diz que o Poder Judiciário está com excesso de processos porque o maior litigante, e muitas vezes litigante de má-fé é o próprio Estado que cria tributos indevidos, deixa de pagar o que deve e ainda têm o péssimo costume de procrastinar ao máximo a prestação jurisdicional.

A terceira e a mais terrível revelação é que quem mais desobedece às ordens judiciais é o próprio Estado, ou seja, é o Estado Administração desmoralizando o Estado Jurisdição, esquecendo que o Estado é o único e que com isto o Estado está se autodestruindo e hipocritamente reclamando da falência das instituições que ele mesmo, assim agindo, está promovendo.

Existem outras revelações sr. presidente, mas por enquanto espero que estas sejam suficientes para uma releitura do papel do Poder Judiciário e do papel do Estado em geral para saciar a fome e sede de justiça do povo brasileiro. Quem sabe uma nova campanha sobre a “fome zero” precise ser desencadeada: a fome zero de justiça.

Jorge de Oliveira Vargas

é juiz de Direito e professor universitário.

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