Estradas federais somam 12 mil mortes em 2 anos

É buraco, é mato, é o fim do caminho para milhares de brasileiros que perdem a vida nos 57 mil quilômetros de rodovias federais brasileiras. Foram quase 12 mil mortos e 123 mil feridos em 211 mil acidentes nos dois últimos anos. Só em 2004 foram seis mil mortos. Números de uma tragédia provocada, em parte, pela redução dos investimentos no setor. Levantamento no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra que o Ministério dos Transportes, do começo do governo Lula até segunda-feira passada, gastou R$ 2,192 bilhões a menos em relação a 2001 e 2002. Como os investimentos nas estradas já eram baixos na gestão Fernando Henrique, o tamanho do problema só faz crescer.

Rio – O resultado é que o governo hoje admite que 40% das estradas estão em situação ruim. Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes mostra que 74,7% da malha rodoviária têm problemas: 36,4% são consideradas deficientes, 23,7% ruins e 14,6%, péssimas. São vidas, frotas, economias, safras perdidas no caminho. A situação é séria principalmente nas estradas no Rio, em São Paulo, Minas, no Paraná, na Bahia, no Ceará e em Pernambuco. Na BR-104, próximo à divisa de Alagoas com Pernambuco, apenas num trecho há mais de 80 buracos. Detalhe: num trecho de apenas um quilômetro. No Nordeste, o buraco social se soma aos das estradas: crianças pobres ficam no que restou do asfalto jogando terra para que carros e caminhões possam passar. E joguem algumas moedas. Em diferentes estados, o motorista obrigado a parar pelas péssimas condições das estradas é atacado por assaltantes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que anunciará, em breve, um pacote para a recuperação da rodovias.

Régis Bittencourt

Única ligação entre as regiões Sudeste e Sul do País, a Rodovia Régis Bittencourt, a BR-116, tem sérios problemas de estrutura. Além da parte de uma das pontes sobre a represa do Rio Capivari, a 352 quilômetros de São Paulo e a cerca de 50 quilômetros de Curitiba, que desabou em janeiro, a rodovia tem outras duas pontes parcialmente interditadas, ameaçadas de desmoronar.

Localizadas nos quilômetros 366, sobre o Rio São Lourencinho, no Estado de São Paulo, e 33, sobre o Rio Saltinho, no Paraná, as duas pontes estão com tráfego permitido em apenas meia-pista. Por causa da restrição, congestionamentos gigantescos estão ocorrendo. Na última quinta-feira, véspera dos feriados de Páscoa, muitos motoristas tiveram que esperar mais de duas horas, em filas de mais de 15 quilômetros de extensão, para atravessar a ponte sobre o São Lourencinho.

?A gente libera 15 minutos de cada lado e só passa caminhão abaixo de 45 toneladas. A fila de espera chega a 15 quilômetros?, disse o sinalizador André Ferreira. Não bastassem os transtornos no quilômetro 366, o patrulheiro Adriano Furtado, chefe da 1.ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal no Paraná, constatou um problema muito grave na cabeceira da ponte sobre o Rio Saltinho, solicitando a imediata interdição de meia pista ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Trânsito (Dnit).

Estatística comprova desleixo

São Paulo – O prefeito de Miracatu (SP), município à margem da Régis Bittencourt, no Vale do Ribeira, Miyoji Kayo (PSDB), liderou um protesto que fechou a estrada por um dia, reivindicando a duplicação da pista, em 1993. Mesmo com a duplicação, em média três pessoas morrem atropeladas por mês naquele trecho da rodovia. ?Foi uma desgraça para nossa família. Parece uma cruz que vamos carregar sempre?, lamenta-se Maria de Lourdes Ferreira, mãe de Luísa, de 9 anos, que morreu atropelada há cerca de três anos.

A motorista Regina Chaves, da empresa Guincho Carga Pesada, está há 25 anos na Régis: ?O maior culpado pelos problemas da estrada é o Ministério dos Transportes. Se eles sabem, têm estatísticas, de que naquela curva acontecem 20 acidentes por mês, têm que fazer alguma coisa. Põem lombada, põem policiais, sei lá, alguma coisa precisa ser feita, não podem deixar que as pessoas continuem morrendo?, critica.

A chamada Rodovia do Mercosul, sistema formado pelas BRs-116, 376 e 101, tem vários trechos em estado crítico. No trecho paranaense da Régis Bittencourt, os inúmeros pontos críticos constam em relatório da Polícia Rodoviária Federal. O motorista que percorre a rodovia encontra trechos sem pintura de faixas, sem acostamento, pontes sem sinalização e buracos. Também faltam muretas de proteção. Entre a capital paranaense e a cidade de Rio Negro, 12 pontes estão em obras, incluindo a que despencou no fim de janeiro.

Desabamento de ponte causa tragédia familiar

Curitiba – O caminhoneiro Zonardi do Nascimento Filho escolheu a mesma profissão do pai, mas sua maior meta hoje é abandoná-la. Ele faz duas viagens por semana, de Curitiba ao Rio de Janeiro, para pagar uma carreta que comprou em prestações no ano passado. O caminhão nem existe mais. Os destroços estão abandonados em um posto da Polícia Rodoviária Federal, na Rodovia Régis Bittencourt, que liga Paraná a São Paulo. O motorista tem de providenciar a remoção, mas o serviço de guincho custa quase R$ 3 mil, que ele não tem.

Na noite de 25 de janeiro deste ano, ele tinha uma encomenda para levar até São Paulo. O pai, Zonardi do Nascimento, ofereceu-se para transportar a mercadoria. A viagem terminou na ponte sobre a represa Capivari-Cachoeira, em Campina Grande do Sul, a 55 quilômetros de Curitiba. Chovia forte, um barranco de terra deslizou e parte da ponte ruiu enquanto o motorista atravessava a represa. Quase 80 metros de concreto despencaram. O caminhão caiu de uma altura de 30 metros e ficou parcialmente submerso. O motorista da carreta, caminhoneiro há 40 anos, morreu na hora.

A tragédia mudou a vida de toda a família, que mora em Morretes, no litoral do Paraná. Zonardi do Nascimento Filho, que é autônomo, passou a sustentar a mãe e ajudar os dois irmãos. As dívidas consomem a fatia principal da renda da família. Além do problema financeiro, convivem com a saudade.

?Toda vez que entro na transportadora lembro do meu pai. Na estrada, penso no que aconteceu com ele. Não tenho dinheiro. Tenho que continuar na estrada. Mas o dia que terminar de pagar minhas dívidas, darei adeus às estradas. Nem viajar quero mais, nunca mais em minha vida?, desabafou.

Para ele, a queda da ponte sobre a represa Capivari é resultado do abandono das estradas. A família entrou na Justiça contra o Departamento de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit).

?A cabeceira da ponte tinha uma fenda, uma falha. O caminhão pulava se não desviasse do buraco. Eu fico indignado até hoje, quando lembro. Quero que o governo reembolse as despesas que tive. É o mínimo?, disse.

Carros fazem fila para evitar buracos em PE

Recife – Buracos que obrigam os motoristas a seguir pela contramão, trechos longos sem acostamento, sinalização coberta pelo mato e meninos tapando buracos no asfalto com areia. São cenas comuns nas rodovias federais em Pernambuco que, mesmo dando medo e matando, ainda assim, encontram-se em melhor estado que no mesmo período do ano passado, quando os temporais atípicos de janeiro provocaram grandes estragos. Segundo motoristas, as federais mais críticas do estado são as BRs 101/sul, 116, 232, 423 e 104. A Polícia Rodoviária Federal confirma. Na 101/sul, apesar das faixas de mão única, os engarrafamentos são constantes porque há partes tão desgastadas que os carros fazem fila para evitar os buracos. Na BR-232, de Recife a Caruaru, a estrada duplicada parece um tapete. Chegando em São Caetano começam as irregularidades no asfalto, mas a área está em manutenção. De acordo com caminhoneiros, os percursos duram o dobro do previsto naquele trecho. Na BR-116, que cruza todo o estado, a situação é crítica no Sertão do São Francisco, entre o trevo de Ibó e o Rio São Francisco. A Polícia Rodoviária reconhece que a situação é tão precária que está facilitando o aumento no número de assaltos – os carros andam em velocidade muito reduzida – numa área onde atuam quadrilhas de traficantes de maconha. Não há ligação entre Pernambuco e Bahia pela área e o transporte de um lado a outro tem sido feito por balsa, a cerca de 500 quilômetros de Recife. Outro trecho considerado crítico pelos motoristas e pela Polícia Rodoviária Federal é o que fica entre os municípios de São Caetano e Garanhuns, onde é péssimo o estado da BR-423. Um trecho crítico da BR-232, altura do município de São Caetano, está em reparo.

As falhas são observadas até mesmo em perímetros urbanos, como o da BR-101/Norte, próximo ao bairro de Iputinga, em Recife, que tem problemas visíveis perto da Cidade Universitária. ?Na BR-232, depois de São Caetano, a situação é precária. A gente fura pneu, quebra amortecedor. A despesa aumenta muito e a gente perde tempo. Tem trecho que gasto seis horas para fazer quando deveria ser feito em quatro?, disse Jackson Barbosa, enquanto trafega pela BR-101.

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