Eleições nos EUA: para o Brasil, tudo fica na mesma

Brasília – A mudança de presidente nos Estados Unidos, o mais rico e influente país do mundo, altera alguma coisa na política brasileira? Em que pode afetar para as nações vizinhas a reeleição de George W. Bush ou a troca dele por John Kerry? A verdade é que, seja quem for o vencedor, não haverá mudanças significativas no campo diplomático e político, segundo o professor de Relações Exteriores da Universidade de Brasília (UnB), Virgílio Arraes.

O professor Virgílio Arraes afirma que, tanto com George W. Bush quanto com John Kerry, o principal ponto de negociação dos Estados Unidos com o Brasil será a instalação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “Essa é uma prioridade de democratas e republicanos. Ambos consideram o Brasil o país mais importante da América do Sul”, avalia Arraes. “A vitória recente do candidato progressista no Uruguai (Tabaré Vazquez) foi mais relevante para o país. Como o partido é favorável ao Mercosul, o Brasil terá condições de negociar uma base melhor para a Alca.”

A promessa dos democratas de reatar com as organizações internacionais e a ligação pessoal do candidato do partido com o Brasil – ele é casado com uma descendente de portugueses – são fatores que, para o especialista, podem indicar uma maior aproximação de Kerry com o País. “Mas seria uma aproximação mais no campo pessoal do que político”, acredita o professor.

Na avaliação dele, três países da América Latina vão continuar na lista de prioridades da política externa norte-americana: Cuba, Venezuela e Colômbia. O primeiro deles pelas já conhecidas divergências com o presidente Fidel Castro. O segundo, pela administração do presidente Hugo Chávez. E o terceiro pela intensificação do plano Colômbia de combate ao tráfico de drogas.

Dois empresários brasileiros – Rubens Menin e José Velloso Dias Cardoso – preferem um enfoque diferente. Eles acham que o mundo precisa de Kerry, devido as estripulias militares de Bush. Mas, se a pergunta é refeita, reiterando que o viés é econômico, a resposta é: o melhor seria Bush. Não porque Bush tenha feito muito pelo Brasil de forma direta durante o mandato iniciado em 2000, mas porque a história mostra que os republicanos tendem a ser menos intervencionistas do que os democratas. “Sempre que os republicanos governam, olham menos para os próprios EUA”, afirma Dias Cardoso, superintendente da Redutores Transmotécnica.

Menin, diretor da MRV Engenharia, tem a mesma opinião: “A política republicana é mais desregulamentada e liberal. Os democratas favorecem o protecionismo, os subsídios”. Para Dias Cardoso, o Brasil não pode esperar que um presidente externo favoreça a economia do País: “Nunca os EUA optaram pelo Brasil, e não aposto que sua política econômica externa venha a nos beneficiar. Temos de fazer nossa lição de casa sem contar com isso”.

Protecionismo: uma grande dúvida

Brasília – Durante a campanha para a presidência dos Estados Unidos, o democrata John Kerry abriu espaço para as teses do partido em defesa do protecionismo comercial. A agenda democrata prevê a inclusão de cláusulas trabalhistas e ambientais em acordos de livre comércio. No entanto, se eleito, Kerry não deverá colocar essa parte da agenda em prática. A avaliação é do especialista em política internacional Alfredo Valadão, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

“Os democratas costumam ter um discurso protecionista por causa da forte ligação com os sindicatos. Mas, na prática, eles não agem assim. O governo Clinton foi o que mais tentou ampliar as relações comerciais com a América Latina”, lembra Valadão. “Em um eventual novo governo democrata, esse quadro não deve mudar muito. No Senado, Kerry tem uma história de atuação favorável ao livre comércio.” Ainda sobre o impacto das eleições presidenciais norte-americanas no Brasil, o especialista concorda com a maior parte das análises feitas por cientistas políticos e prevê que as relações entre os dois países não devem passar por mudanças significativas.

“O presidente Lula se entende bem com Bush. Com Kerry, talvez seja apenas necessário retomar a alquimia pessoal”, afirma Valadão. “A política norte-americana em relação ao Brasil independe do ocupante da Casa Branca. A expectativa de que o país garanta a paz e a ordem na América do Sul permanece.” Para o pesquisador do instituto parisiense, a posição dos EUA sobre a inclusão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU deve ser “cautelosa”, independente do eleito.

“Os atentados mudaram a fisionomia dos Estados Unidos. Qualquer presidente que estivesse na Casa Branca teria uma reação dura. O problema é que a ala direitista do governo Bush usou o medo para avançar a própria agenda intervencionista”, acredita Valadão. “Mas as eleições deste ano mostraram a vitalidade da democracia norte-americana. Os debates sobre paz, guerra e problemas gerais da sociedade foram substantivos. Mobilizaram a mídia e o povo.”

Em relação a George W. Bush, a América Latina não tem razões para acreditar que o segundo mandato será diferente do primeiro. Ele tentou impor suas condições nas negociações para a Área de Livre Comércio das Américas, encontrando forte resistência e iniciativas como a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de buscar mercados em paragens longínquas do Oriente Médio e da China. Com a América Latina e a Europa alienadas de sua política externa, Bush não deverá fazer avanços também no barril de pólvora do Oriente Médio.

Quatro brasileiros fiscalizam eleições

Brasília – Um delegação formada por quatro deputados brasileiros está desde segunda-feira nos Estados Unidos para acompanhar as eleições presidenciais norte-americanas. Integrantes da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, os deputados viajaram atendendo a convite formulado pela fundação Carter Center para participar do pleito como observadores, ao lado de dezenas de observadores internacionais de outros países.

A principal missão dos observadores é acompanhar as eleições para tentar inibir tentativas de fraudes e irregularidades. As últimas eleições presidenciais norte-americanas foram marcadas por denúncias de fraude no estado da Flórida, colocando em xeque o próprio sistema eleitoral dos Estados Unidos. A fundação Carter Center monitora eleições no mundo todo, inclusive no Brasil. Em 2002, na eleição presidencial brasileira, representantes de 36 países – inclusive dos Estados Unidos – atuaram como observadores.

A delegação brasileira é composta pelos deputados Feu Rosa (PP-ES), Ricardo Zarattini (PT-SP), Arnon Bezerra (PTB-CE) e André Zacharow (PP-PR). A programação de ontem incluiu visitas a centros de votação, para observar o processo de contagem e apuração dos votos. Para hoje, estão previstos encontros com a diretora do Programa das Américas, Jennifer MacCoy, e com parlamentares do Congresso americano. Amanhã, os deputados brasileiros partem para Washington, onde conversam com o embaixador brasileiro nos EUA, Roberto Abdenur. O retorno ao Brasil está previsto para a próxima sexta-feira. A Câmara está custeando as despesas da delegação.

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