Ações do governo dividem intelectuais

São Paulo – O clima amistoso que marcou a reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com 22 intelectuais petistas na última terça-feira, em São Paulo, escondeu o ressentimento e a preocupação de parte da categoria, um dos pilares do PT na sua origem, com os rumos do governo e o futuro do partido.

Segundo a socióloga Maria Victoria Benevides, uma das participantes do encontro, alguns intelectuais, militantes históricos do partido, sentem-se traídos pelo governo e não vêem diferença entre Lula e seu antecessor.

Para ela, o PT pode se desfigurar com as concessões feitas pelo governo no exercício do poder. – O risco existe. É muito grave ter que escutar de militantes antigos que não vêem diferença entre o governo Lula e o governo Fernando Henrique, ou que se sentem traídos. Mas com a herança recebida dificilmente Lula poderia fazer diferente – diz Maria Victoria.

Na opinião dela, o PT é o único partido que tem algo a perder nessa relação: – Para os partidos fisiológicos, uma aliança é só mais um fato político. Eles são aliáveis para quem dá mais. Já no PT essa é uma questão muito forte. Mas as alianças só serão danosas se atingirem a identidade do partido de maneira muito desfiguradora. Corremos este risco.

O foco evidente do descontentamento é a política econômica do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. – Pior do que as alianças com partidos e políticos de direita, historicamente rechaçados pelo PT, é o tipo de política econômica que tem sido feita. Muita gente da antiga militância está num desânimo muito grande. Os números sobre o aumento do desemprego e do lucro dos bancos pioraram a situação – diz.

Palocci participou do encontro de terça-feira com o objetivo de convencer os intelectuais petistas da necessidade de se construir bases sólidas para a guinada rumo ao desenvolvimento. Já um outro participante do encontro, considerado um dos mais importantes ideólogos do PT, que não quis se identificar, diz que dá prazo até julho para o governo corrigir o rumo. Ele se nega a relatar suas queixas em entrevista, mas diz que se até lá o governo não mudar a política econômica, vai partir para o ataque.

Para Maria Victoria, Lula ainda tem cacife para mudar o jogo, mas o que está em discussão é a própria autoridade do presidente: – Não entendo de economia, mas no campo político é preciso uma saída negociada de autoridade do presidente em relação aos credores internacionais. E o presidente tem autoridade moral e política para isso.

Distanciamento

O jurista Dalmo de Abreu Dallari, outro que participou do encontro, também vê o risco de o governo se distanciar dos objetivos originais do partido por causa das alianças, mas mantém a esperança de que a atual política econômica seja transitória. – O governo fica obrigado a fazer algumas concessões e a reduzir parte de seus objetivos. Alguma influência acaba tendo. Lula tem características pessoais muito autênticas de compromisso com o povo. E o governo vai muito além da política econômica – diz.

Ele destaca como ponto positivo a política externa. -Estive na Argentina e percebi que todos consideram o Brasil um líder natural da América Latina. Na reunião, Lula não se mostrou abalado com a possibilidade de críticas dos intelectuais que o acompanham e apóiam desde os tempos das greves do ABC. Segundo um participante do encontro, Lula disse considerar a tática da crítica inerente à atividade intelectual.

O secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, diz que o encontro serviu para Lula justificar a política econômica.

Voltar ao topo