Brasil põe em risco credibilidade ao não quebrar patentes, alertam Ongs

Organizações não-governamentais e membros da cúpula da Organização Mundial da Saúde (OMS) alertam que está na hora do Brasil parar de fazer ameaças às empresas farmacêuticas e passar a quebrar patentes de remédios que fazem parte do coquetel de combate à aids. "É credibilidade do Brasil agora que está em jogo", afirmou Ellen Hoen, diretora do programa de acesso à remédios da entidade Médicos Sem Fronteira. Hoje (17), o ministro da Saúde, Humberto Costa, dedicou grande parte de seu discurso na Assembléia Mundial da Saúde para alertar que o Brasil não hesitará em conceder licenças compulsórias para a produção local de remédios se um acordo não for feito com três empresas estrangeiras que hoje fornecem produtos que consomem quase 70% do orçamento para a compra de medicamentos do Ministério. Ele ainda atacou indiretamente o governo americano pelas condicionalidades impostas nas doações dadas para programas de combate à aids.

Segundo o ministro, "a política de garantir acesso universal aos medicamentos enfrenta riscos para sua manutenção". Se a licença voluntária for concedida, portanto, o governo acredita que economizaria 50% dos recursos hoje gastos com a compra de remédios. "Estamos dispostos a utilizar todas as flexibilidades do acordo de propriedade intelectual, inclusive licenças compulsórias, se esse for o único caminho para garantir a manutenção de nosso programa", ameaçou o ministro.

Na avaliação dos especialistas, já teria passado o momento das ameaças. "O prazo que o governo deu para as empresas chegarem a um acordo já terminou há três semanas. Se uma medida não for tomada, a idéia das empresas será de que o Brasil estava blefando", afirmou Ellen Hoen. O governo havia estabelecido o final de abril como limite para que as empresas aceitassem um plano de licenças voluntárias que permitiria, mediante um entendimento, a produção local dos remédios.

Segundo Ellen Hoen, o Brasil já tem o apoio internacional que precisa. "Parece haver uma diferença entre as ações do governo brasileiros nos fóruns internacionais e sua posição doméstica", afirmou. Um alto funcionário da OMS aponta que o Brasil precisa passar para as ações. "Muitos especialistas já orientaram o Brasil a seguir com a idéia de quebrar a patente. Será um passo muito importante para todos", afirmou a autoridade da agência de Saúde da OMS, que pediu para não ser identificado diante das pressões que recebe da indústria.

Ele garante ainda que o que ocorrer no Brasil nos próximos meses será acompanhado de perto por toda a comunidade internacional. "Vamos ver se a reação das empresas será retaliando com uma bomba atômica ou apenas com uma granada. A resposta que teremos das empresas será fundamental para entender como funciona o setor privado", afirmou o alto funcionário.

Costa, que garante que o processo de negociação pode estar se encerrando, não dá um novo prazo final para um acordo com as empresas. "Vamos ver como respondem as empresas", afirmou o ministro, que quer antes ter uma base jurídica e garantir o abastecimento de remédios para os pacientes. "Não é uma ação tão simples", disse. Amanhã (18), Humberto Costa se reúne com o diretor da Unaids, Peter Piot, e voltará a pedir apoio internacional às iniciativas.

Ataque

Em seu discurso hoje (17), o ministro também criticou a posição dos Estados Unidos em conceder recursos para o combate à aids condicionados a políticas ou princípios morais. "As medidas de prevenção devem ser adotadas com base em evidências científicas, evitando assim a defesa inconsistente de posições intolerantes e cheias de preconceitos", afirmou Costa aos ministros de todo o mundo.

Há poucas semanas, o Brasil recusou US$ 40 milhões do governo americano que iriam apenas para entidades que não atendessem prostitutas. O ministro brasileiro reafirmou hoje que não aceitará recursos com essa natureza. "Não temos nada contra o fato de aplicarem isso nos Estados Unidos, mas não podemos aceitar isso como uma condição, principalmente por não ter base científica. Seria uma intromissão sobre a política praticada no País", afirmou Costa.

Para o secretário de Saúde dos Estados Unidos, Michael Leavitt, muitos países estão satisfeitos com os recursos dados e estão "gratos" ao presidente americano George W. Bush. Segundo ele, o compromisso de dar US$ 15 bilhões nos próximos cinco anos por Washington é o maior já feito por qualquer país para uma iniciativa relativa à saúde. Ele se recusa a responder ao fato de que o Brasil ter dispensado o dinheiro. Leavitt ainda defendeu a abstinência sexual como uma forma de evitar a transmissão do vírus da Aids.

Segundo as ongs, 30% do dinheiro americano para os programas de combate ao HIV seria destinados para programas que defendem a abstinência. "Uma coisa que pode ser dita da abstinência é que ela sempre funciona, e especialmente a abstinência jovem", concluiu o secretário.

Sobre a quebra de patentes, o governo dos Estados Unidos deixou claro que não está contente com as declarações do Brasil. "Propriedade intelectual é realmente importante e uma preocupação constante para os Estados Unidos. É um dos fundamentos de nossa economia", disse Leavitt.

Apesar de todas as diferenças entre Brasil e Estados Unidos, Costa e Leavitt não se reunirão durante a Assembléia Mundial da Saúde, ainda que ambos tenham agendado encontros com inúmeros ministros de outros países. Costa, por exemplo, esteve com os ministros do Senegal, Camarões, dos países de língua portuguesa, ibero-americanos, indianos, sueco e sul-africanos. Mas não com o americano. Já Leavitt também contou uma agenda lotada, com encontros com ministros da bacia do mar Mediterrâneo com asiáticos e de várias outras regiões. O governo brasileiro afirmou que não havia pedido um encontro com os americanos e que Washington também não manifestou interesse em uma reunião.

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