Batalha inconclusa

Com seis votos a mais do que o mínimo necessário, o governo venceu o primeiro e decisivo turno da batalha pela emenda constitucional da Previdência no Senado Federal: 55 votos a favor, 25 contra, depois de seis horas de discussões, onde aconteceu de tudo – do choro convulsivo da senadora Heloísa Helena, agora no cadafalso do partido que a quer pelas costas devido sua ousadia de votar contra, aos telefonemas do presidente Lula em pessoa a bom número de senadores renovando apelos e negociando acertos de última hora para garantir a vitória almejada. Mal era divulgado o resultado, entidades representativas do funcionalismo público federal prometiam “fazer chover” ações no Supremo Tribunal Federal argüindo a inconstitucionalidade dos remendos reformistas. Assim, a batalha da Previdência, já feita pelas beiradas, apenas mudará de campo.

Segundo a proposta que passou – afinal, vencido o primeiro turno, os demais são conseqüência – os atuais servidores públicos continuarão com direito a aposentadoria integral (os futuros servidores, não), mas somente após apresentarem idade mínima maior (55 anos para as mulheres, 60 para os homens) e computarem tempo de contribuição de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens – garantidos os 20 anos de trabalho no serviço público.

Dentro da nova situação, aposentados e pensionistas também haverão de pagar previdência na parte que superar os ganhos de R$ 1.200 nos estados e municípios, e R$ 1.400 na União. O valor máximo para os salários pagos pelo poder público da União será o equivalente à maior remuneração de ministro do STF (hoje, R$ 17.300), enquanto o teto da aposentadoria máxima sem redutores (que não existem para os trabalhadores da iniciativa privada) foi fixada em R$ 2.400.

Existem outros detalhes importantes nas mudanças ainda em debate, mas cresce a olhos vistos a importância do que um dia disse o presidente Lula: não é a reforma ideal; é a reforma possível. Desde o início, a começar pelos militares e pelos integrantes do Judiciário, o governo capitulou em questões importantes. E vai continuar a levar críticas, não tanto pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer, por falta de coragem de realizar a coisa completa.

Entendidos na matéria, como o ex-ministro da Previdência, também aposentado, Reinhold Stephanes, garantem que já no fim deste governo, ou no início do próximo, estaremos discutindo uma nova proposta de reforma da Previdência. Ela “entrou tímida e saiu inacabada” e, na verdade, “não se pode chamar de reforma uma proposta que atinge apenas um dos quatro grandes regimes do País”, já que não altera os critérios de concessão de benefícios para os segurados do INSS, não mexe com a aposentadoria dos militares, nem nas normas atuais da previdência complementar.

Entre alguns dos nós apontados por Stephanes está a elevação do teto da contribuição para R$ 2.400 aos trabalhadores da iniciativa privada. A medida teria o objetivo de apenas aumentar a arrecadação de imediato. Ao aumentar o teto do benefício, segundo ele, está criado um “passivo atuarial”. Isto é, o balão, ou o saco sem fundo, vai estourar outra vez lá na frente. Assim como também a fixação do subteto para os funcionários do Legislativo e do Judiciário pelo mesmo valor do vencimento do ministro do STF é errado – “uma loucura” baseada no salário de um grupo seleto de 11 pessoas. Esse arremedo de reforma reduzirá, segundo cálculos do ex-ministro, para sessenta bilhões de reais o atual déficit calculado em setenta bilhões de reais. Míseros 15%.

Não há muito a comemorar, portanto, a não ser a admissão do tímido princípio de que, na busca da Previdência ideal e justa, é preciso acabar com vantagens pessoais ou de categorias que, no geral, pesam como privilégios até há pouco tempo defendidos intransigentemente pelo partido que hoje governa. Mas até lá, muita água correrá sob a ponte sobre a qual chora a senadora Heloísa Helena.

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