Barelli: retrocesso na reforma sindical

Walter Barelli, atualmente deputado federal pelo PSDB/SP, foi diretor-técnico do DIEESE por muitos anos e tem larga experiência face o movimento sindical e as questões da economia do trabalho. Ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, desenvolveu amplo debate sobre as relações de trabalho no Brasil, mobilizando todos os setores envolvidos, quer quanto ao Direito do Trabalho como face a organização sindical dos trabalhadores e empregadores. Em recente artigo publicado no jornal ?O Globo?, Barelli manifesta seu posicionamento sobre o projeto de reforma sindical oriundo do Fórum Nacional do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, onde conclui que ?o projeto de reforma sindical incorre num retrocesso sem tamanho?. Eis as anotações de Barelli:

?Quando as ditaduras começam a cair, surgem associações como se fossem cogumelos após a chuva. Era assim que o sociólogo José Albertino Rodrigues costumava analisar a multiplicação de entidades que se apresentavam como representantes das diversas facções do movimento sindical brasileiro, na segunda metade da década de 1970. Basta lembrar que nas primeiras diretorias da Central Única dos Trabalhadores (CUT) tinha assento um representante da Oposição Metalúrgica de São Paulo, como um desafio às posições do poderoso Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos da Capital. Na Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, realizada em 1981, na Praia Grande, com a presença de mais de 5 mil trabalhadores, a grande dificuldade era definir a representatividade das organizações que desejavam participar, principalmente entre as entidades de servidores públicos, às quais era proibida a sindicalização. Tal era a diversidade da razão social dessas entidades, que era piada freqüente dizer que tinha sido registrada a Associação dos Trabalhadores do Décimo Segundo Andar do Hospital das Clínicas. Há poucas semanas, o noticiário policial falava na detenção da presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Área da Arrecadação do INSS, esclarecendo que o Sindicato dos Auditores Fiscais (também do INSS) nada tinha a ver com essa outra entidade.

Os fatos – um jocoso e o outro criminoso – nos permitem entender a pouco inteligível reforma sindical encaminhada pelo Ministério do Trabalho e Emprego ao Congresso Nacional. Estabelece o projeto que os sindicatos devem ser representativos e por ramos de atividade, sob a explicação de que se quer combater os sindicatos de carimbo, outra expressão do dialeto sindicalez para definir sindicatos de categorias sem expressão numérica, mas cujo único voto equivale ao das grandes categorias quando se trata de eleger as federações patronais ou de trabalhadores. O exemplo mais comum é o do antigo Sindicato dos Chapéus e Bengalas, de peso eleitoral idêntico ao do Sindicato da Indústria Automobilística, mas que podia definir uma eleição na Fiesp.

Para impedir a multiplicação de sindicatos (hoje já são 18 mil) o projeto de reforma sindical incorre num retrocesso sem tamanho. Recria o poder do Ministério do Trabalho em reconhecer os sindicatos, na antiga figura da carta sindical, desaparecida quando a Constituição de 1988 reconheceu a autonomia dos sindicatos. A partir dessa derrapada intervencionista, são criadas outras exigências a serem cumpridas que só aumentam o grau de intervenção ministerial, lembrando-nos do relatório da comissão nomeada por Getúlio Vargas para definir ?a associação em sindicato?, que estatuía: ?Com a instituição deste registro, toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do Ministério do Trabalho: nele nascerão; com ele crescerão; ao lado dele se desenvolverão; nele se extinguirão?. O decreto de Getúlio Vargas é de 5/8/1939. O que aconteceu com os membros do Fórum de Relações do Trabalho para retrocederem tanto no tempo? Será que perturba tanto a multiplicação dos sindicatos? Será que isso depõe sobre a capacidade aglutinadora das centrais?

Depois de 1988, o Ministério do Trabalho está proibido de interferir na vida sindical. Ele apenas deve notificar que recebeu documentos referentes à criação deste ou daquele sindicato e abrir prazo para que a entidade que se sentir prejudicada com essa criação se manifeste. Em caso de protesto de outra entidade, a questão tem de ser discutida na Justiça. Se a desinformação levou à criação de sindicatos que disputam o mesmo espaço, que eles se entendam com seus representados. Se isso é problema (e, salvo engano, parece que as maiores demandas acontecem com sindicatos patronais), caberia a um movimento adulto não procurar novamente a tutela do Estado. Hoje, a auto-regulação está disponível para construir regras democraticamente aceitas por parceiros.

Por que não criar uma agência de regulação sindical para dirimir todas essas questiúnculas? Por que não ter um código de ética, com o qual certamente aumentaria o prestígio das entidades que explicitassem seus princípios? Por que se imiscuir novamente com o governo? Lembremos que a repressão ao movimento trabalhista não precisou de atos institucionais. Antes da Constituição de 1988, a legislação sindical autorizava as intervenções e punições que foram feitas. Por que retroceder? Certamente, não é necessária a intervenção do governo para impedir sindicatos de andar nos prédios dos hospitais. Esse é assunto interno dos trabalhadores ou dos patrões e a regulamentação pode ser feita de comum acordo pelos interessados?.

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Regulações sociais: O advogado Sandro Lunard Nicoladeli, integrante da Secretaria do Trabalho do governo do Paraná no setor da economia solidária, acompanhou, no dia 19 de maio, a delegação francesa coordenada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas vinculado ao Ministério do Emprego, Trabalho e da Coesão Social da França, composta por 42 delegados, dirigentes sindicais, empresários, parlamentares, membros da Comissão Européia e do Ministério do Trabalho Francês, pesquisadores vinculados a instituições de pesquisa, como parte dos estudos sobre as reegulações sociais. A delegação esteve no Rio de Janeiro, conhecendo as Ong?s Viva Rio (movimento contra a violência) e o Ibase (fundada pelo sociólogo Betinho), e em São Paulo, participando de debates com especialistas sobre a legislação trabalhista e com professores universitários avaliando as políticas públicas de trabalho e emprego. Em Curitiba, conheceram, na Secretaria do Trabalho, sob orientação do padre Roque Zimmermman e dos coordenadores de áreas técnicas Elietti de Souza Vilela e Aloize Gogola, o funcionamento do sistema público de emprego do Paraná. Em seguida, visitaram a Cooperativa de Embalagens Brasil Coembra, cooperativa de produção em que os trabalhadores processam a reciclagem da madeira existente nos ?pullets?, que são as embalagens de madeira que envolvem as peças da indústria automobilística, empreendimento situado no Linhão do Emprego, parceria entre o governo do Paraná (SETP e TECPAR) com a Universidade Federal do Paraná por meio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares-ITCP/UFPR, financiado com recursos públicos federais e estaduais. O empreendimento é formado majoritariamente por mulheres acima de 40 anos, que executam seu trabalho numa cooperativa popular, assim denominado toda a organização produtiva solidária de natureza autogestionária. Os traços característicos do empreendimento, que foram apresentados pelos cooperados, sensibilizaram a delegação francesa que pode observar o processo organizativo dos trabalhadores na sua luta por geração de trabalho e renda. Finalmente, o grupo debateu com os técnicos da SETP e a professora da UFRGS Dra. Rosinha Carrion, especialista em economia solidária, sobre os aspectos e impactos das políticas públicas na vida da população e em especial dos trabalhadores usuários do sistema público do emprego, indagando sobre a viabilidade dos empreendimentos de economia solidária inseridos do contexto do mercado, que não possui limitações do ponto de vista da ética empresarial. Segundo Sandro Lunard ?o balanço final da comitiva foi de que a visitação em nosso Estado, pode evidenciar as possibilidades e potencialidades de efetivação de políticas públicas articuladas no nível estadual e federal com a sua aplicabilidade prática?.

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45.º Congresso da LTr: De 20 a 22 de junho será realizado o 45.º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho promovido pela LTr, em São Paulo, sob coordenação do prof. Amauri Mascaro Nascimento, que pronunciará a conferência de abertura do evento. Duas são as vertentes do importante congresso: a análise dos efeitos na Justiça do Trabalho da emenda constitucional 45/04, em especial face a competência, e as questões relacionadas com a reforma sindical. Participarei dos debates no painel ?Estatutário, Poder Normativo e Reforma Sindical?, juntamente com o professor Octávio Bueno Magano e os juízes do trabalho Jorge Luiz Souto Maior e Irany Ferrari. O advogado José Affonso Dallegrave Neto estará no painel ?Competência da Justiça do Trabalho para ações sobre relações de trabalho?, que também será o tema da conferência do jurista Manoel Antônio Teixeira Filho. Destaque para a conferência, no dia 21 de junho, do jurista Arnaldo Lopes Sussekind, examinando vários aspectos da reforma do Poder Judiciário. A LTr já está preparando as comemorações de seus 70 anos de existência, em maio de 2007. A denominação de LTr foi adotada depois que o Supremo Tribunal Federal, em 1963, indicou a Revista Legislação do Trabalho como repertório de jurisprudência com a abreviatura L.Tr. Quando foi fundada, em 1937, analisava o Direito do Trabalho a luz da doutrina social da Igreja Católica.

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Carta del Lavoro: ?III – A organização sindical ou profissional é livre. Mas, só o sindicato legalmente reconhecido e subordinado ao controle do Estado tem direito de representar legalmente toda a categoria dos empregadores ou dos trabalhadores, em virtude da qual é constituído; de defender seus interesses perante o Estado e às demais associações profissionais; de celebrar contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os membros da categoria; de impor a eles contribuições e de exercer, com respeito aos mesmos, funções delegadas de interesse público? (Aprovada no Grande Conselho Fascista, Itália, 21 de abril de 1927).

Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal (PT/PR).

E-mail: edesiopassos@terra.com.br

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