Assentamento de ”sobreviventes” de massacre carece de estrutura técnica

Eldorado dos Carajás (PA) ? Dez anos depois do massacre de Eldorado dos Carajás, no qual morreram 19 trabalhadores sem-terra, a vida no assentamento 17 de Abril, criado para abrigar as famílias dos mortos e sobreviventes, não é fácil. O assentamento foi planejado para abrigar 690 famílias. Falta de equipamentos e de ajuda técnica, dificuldades para irrigar a colheita e escoar a produção, além do baixo preço dos produtos levam os assentados a procurarem outras formas de ganhar dinheiro. Muitos, a desistirem da terra. Segundo o assentado Limério Neto, 200 famílias "venderam" o lote com casa e 25 hectares recebido após a tragédia.

O presidente da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do assentamento, Antonio Pereira dos Santos, reconhece que houve debandada. Mas estima um número menor. Segundo ele, 20% foram embora, não por terem vendido o lote, mas o "direito" ao lote. "A pessoa vende o direito, já que participou da luta. Mas (isso) não é declarado venda de terra", explica. O próprio Antonio dos Santos não vive só da agricultura. "O arroz e feijão que preciso, eu tenho. As outras coisas: óleo, café, açúcar eu compro". O dinheiro para isso é resultado da venda de leite e de bezerros e dos fretes que faz com sua caminhonete.

Um dos motivos para não investir na agricultura, segundo o maranhense Antonio dos Santos, que chegou ao Pará atraído pelo garimpo de ouro, é o baixo preço dos produtos. Sessenta quilos de arroz custam R$ 20. "É incrível, é muito barato", diz.

Ainda assim, existem exceções. A roça do assentado Dimas Rodrigues é "uma das maiores". Planta arroz, milho e banana em três dos 25 hectares de terra boa. "Nós não carece (sic) nem de adubo", diz Rodrigues, mostrando a plantação. A banana plantada garante 800 cachos por ano, cada um vendido a R$ 4. Ou seja, uma receita de R$ 3200, cerca de um salário mínimo por mês. Valor que não vai todo para o produtor. Para a colheita, por exemplo, são necessários "três companheiros que cobram R$ 20 o dia de trabalho cada um".

O agricultor, no entanto, também recorre a bicos para completar a renda mensal. "Sempre faço algum bico, trabalho com outras coisas. São os bicos que pagam a farmácia, o supermercado. Da forma como nós trabalhamos é impossível plantar 25 hectares, é muito chão. É até cinco hectares que uma pessoa consegue trabalhar, isso com a ajuda de vizinhos, fazendo mutirão", explica.

Os assentados consideram a pecuária mais lucrativa. "90% tem gado, vende leite. O preço do litro é R$ 0,30". Na avaliação dos técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), trata-se de um equívoco. Raimundo de Oliveira, superintendente das regiões sul e sudeste do Pará, explica que essa é uma questão cultural. "A maioria dessas pessoas era vaqueiro. Está provado que o rendimento que o produtor tem plantando alface, olha que estou pegando o mais elementar, é muito mais lucrativo que criar gado. Apesar de que o ganho com boi é mais rápido".

O técnico do Incra, no entanto, concorda com Antonio dos Santos e com Dimas Rodrigues sobre a dificuldade encontrada pelos assentados para escoar a produção. Para o superintendente, "o mais complicado nos assentamentos é a comercialização".

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