Aspectos trabalhistas da reforma do direito insolvencial brasileiro

1. APRESENTAÇÃO.

O PL 4.376-A/93 tramita na Câmara de Deputados e objetiva reformular todo o nosso Direito Insolvencial. O relator é o dep. Osvaldo Biolchi (PSDB-RS) e o próprio governo considera prioritária a sua aprovação.

Os postulados fundantes desse projeto são as noções de crise e da recuperação da empresa, promove-se a unificação do Direito Concursal e são banidas do mundo jurídico a falência e a concordata incidentes apenas sobre o comerciante e a insolvência civil incidente sobre os demais devedores. Atentaremos neste texto para os seus aspectos trabalhistas relevantes.

2. COMPETÊNCIA.

A ação trabalhista será examinada primeiramente pela própria Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado da decisão condenatória e até a liquidação efetiva do crédito, com o trânsito em julgado dos embargos à execução (art. 7º, §3º, do projeto).

Na seqüência a ação trabalhista seria encaminhada ao juízo concursal.

O projeto, portanto, encara diretamente este tema antigo e controvertido e o resolve em desfavor da competência trabalhista. A grande dúvida, a ser dirimida pela jurisprudência, centra-se na constitucionalidade do projeto quanto à competência do juízo concursal, dados os termos do art. 114, da Constituição.

3. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Este instituto, que substitui a concordata abrangerá todos os créditos, mesmo os dotados de privilégio, inclusive os créditos trabalhistas (art. 40).

Mesmo a execução dos sócios da empresa e outros agentes responsabilizado está afeta ao juízo concursal, inclusive créditos trabalhistas.

4. COMITÊ DE CREDORES.

O art. 61 prevê a representação dos empregados no comitê de recuperação mediante indicação pelo sindicato. A função do comitê é meramente fiscalizatória e a respeito da representação dos trabalhadores, Simionato ressalta que “novamente, presenciamos um discurso retórico do legislador … É demagogia legislativa convidar os trabalhadores para integrarem este Comitê, quando os mesmos trabalhadores são `proibidos’ de atuarem na gestão da empresa quando está em boas condições econômicas. … quando a empresa está próxima da ruína total, o legislador, com um toque de remorso, os convida para `fiscalizar’ a administração” (In “A disciplina da reorganização da empresa em crise econômica no projeto de lei concursal”. Revista de Direito Mercantil, nº 67, p.149).

4. COOPERATIVA DE EMPREGADOS.

Prevê-se a possibilidade de constituição de cooperativa pelos empregados da empresa em recuperação judicial, com a possibilidade de utilização de créditos trabalhistas para compensar a aquisição do patrimônio da empresa (art. 152).

Além da cooperativa de empregados, admite-se também a celebração de acordo coletivo de trabalho com redução de salário e/ou carga horária (repetindo o texto constitucional, art. 7º, incs VI e XIII), a constituição de sociedade de credores e a gestão compartilhada.

5. LIMITE AO PRIVILÉGIO DO CRÉDITO TRABALHISTA.

Inova-se com importante – e questionável – limitação ao pagamento do créditos trabalhistas no importe de 20.000 UFIR no prazo de um ano.

Este ponto merece redobrada atenção. O projeto adota formas incoerentes de solução para o crédito trabalhista no caso da recuperação da empresa. De um lado, fixa limites para o pagamento e, de outro, prevê a via “flexibilizadora”, via acordo coletivo de trabalho com redução de remuneração. Trata-se de uma incoerência cínica. Os empregados e seus sindicatos, ao negociarem, já sabem que sofrerão limitações tarifadas aos salários. O melhor seria delegar toda a questão salarial ao âmbito da autonomia privada coletiva e não fixar qualquer limite legal.

É certo que a tendência internacional é de enfraquecer o privilégio do crédito trabalhista. Porém tal debilitação é compensada com a criação de instrumentos de garantia do crédito trabalhista- com recursos de empregadores e do próprio Estado. Neste sentido a Diretiva 87/987, da União Européia, e a Resolução 180, da OIT.

Todavia, não há como imaginar, atualmente, a possibilidade de se criar uma instituição de garantia do crédito trabalhista em casos de insolvência do empregador. Assim, o crédito trabalhista deve manter íntegro o seu privilégio, nos termos da Convenção 95, da OIT.

6. LIQUIDAÇÃO JUDICIAL.

Já que o crédito trabalhista está sujeito ao concurso, é evidente que é apto também para legitimar o requerimento de liquidação judicial da empresa. Assim, a liquidação (ou mesmo a autoliquidação) poderá ser requerida em caso de dívida trabalhista superior a 10.000 UFIR ou execução judicial em valor inferior sem chance de cumprimento.

7. CRIMES INSOLVENCIAIS TRABALHISTAS.

Os crimes insolvenciais arrolados no projeto (art. 201 e ss.) bem podem envolver como vítimas os credores trabalhistas. Teríamos então os delitos envolvendo a obtenção de vantagem ilícita sobre credores trabalhistas e a própria inexistência de documentação trabalhista, quando ocultadora da falta de saúde econômico-financeira da empresa.

8. MICRO E PEQUENAS EMPRESAS.

Há tratamento distintivo no projeto para as micro e pequenas empresas, abrangendo inclusive os débitos trabalhistas. Na recuperação judicial haverá o privilégio apenas até o limite de 30% do ativo circulante e 10.000 UFIR por empregado. O valor excedente será pago ao longo do processo e caberá ao juízo a fixação dos critérios de pagamento (art. 176, § 3.o, do Projeto).

9. CONCLUSÕES.

Há que ser saudada como um avanço a participação obreira no Comitê de Credores e a possibilidade de constituição de cooperativa de trabalhadores e do reconhecimento de acordo coletivo como meio de recuperação da empresa (com as críticas acima indicadas).

Por outro lado, o limite ao privilégio do crédito trabalhista na recuperação judicial deve ser eliminado do projeto, por sua inconveniência para os trabalhadores e por violar a Convenção 95, da OIT.

Célio Horst Waldraff

é Juiz do TRT-PR, professor e doutor em direito pela UFPR.

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