As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica

O texto analisado compreende o Capítulo I, intitulado Direito e argumentação, da obra AS RAZÕES DO DIREITO – Teorias da Argumentação Jurídica, de Manuel Atienza, onde o autor, iniciando por uma apresentação da concepção de base da Teoria Padrão da Argumentação, efetua uma análise e exposição crítica da teoria de cinco autores, Viehweg, Perelman, Toulmin, MacCormick e Alexy, apresentando ao final um projeto da argumentação jurídica ou as diretrizes no sentido do que considera argumentar juridicamente.

O estudo levado a efeito se pauta na consideração de que a prática do Direito consiste em argumentação, mas uma argumentação própria, peculiar. Assim, propõe-se a analisar o que seja argumentar juridicamente e como outros autores têm abordado esse tipo de argumento.

Principia a fixar uma base conceitual de modo a tornar possível a compreensão das Teorias da Argumentação Jurídica. Com tal desiderato, apresenta o objeto das teorias da argumentação jurídica como sendo os argumentos produzidos em contextos jurídicos, diferenciando-os quanto à produção ou estabelecimento de normas jurídicas, quando as argumentações podem incidir na fase pré-legislativa, bem como na fase propriamente legislativa, a partir do surgimento de um problema social. Tal situação vem caracterizar a influência da cotidianidade, evidenciando que o direito somente pode ser visto na medida em que inserido nos fatos sociais, o ?factum? como fator gerador.

Com relação à aplicação de normas jurídicas para a solução de casos, as argumentações podem se referir aos fatos ou ao Direito, importando à teoria da argumentação dominante as questões relativas à interpretação dos casos difíceis, ocorridas nos órgãos superiores da administração da Justiça.

Com relação à dogmática jurídica (que encerra funções tais como: fornecer critérios para a produção do Direito nas diversas instâncias em que ele ocorre; oferecer critérios para a aplicação do Direito e ordenar e sistematizar um setor do ordenamento jurídico)(p.19) as teorias normais da argumentação jurídica se ocupam da segunda função exposta. Importante ressaltar aqui que o Direito necessita da dogmática, mas não de uma dogmática qualquer, meramente reprodutora de saber e sim uma dogmática crítica, capaz de propiciar o caminho para o direito aceitável, distinguindo-se dogmática de dogmatismo.

O autor ressalta a distinção que se faz na filosofia da ciência, onde o contexto de descoberta é tido como a atividade que consiste em descobrir ou enunciar uma teoria, sem suscetibilidade de uma análise do tipo lógico e o contexto de justificação, como o procedimento que visa justificar ou validar uma teoria, exigindo uma análise do tipo lógico, regida pelas regras do método científico; para, ao final, valendo-se desta distinção, estendê-la ao campo da argumentação jurídica, diferenciando o procedimento mediante o qual se estabelece uma determinada premissa ou conclusão do procedimento que consiste em justificar essa premissa ou conclusão. Surge, assim, a idéia de razão explicativa e de razão justificadora, sendo que os órgãos jurisdicionais, em geral, não precisam explicar suas decisões e sim justificá-las.

Esta distinção possibilita que se proceda ao estudo sobre em que condições um argumento pode ser considerado justificado, sob o âmbito formal (se o argumento é formalmente correto) e material (se o argumento, num campo determinado, é aceitável), permitindo distinguir entre a lógica formal ou dedutiva e a lógica material ou informal (incluídas a tópica e a retórica). Aqui se situa a teoria padrão da argumentação jurídica, isto é, no contexto de justificação dos argumentos, com pretensões tanto descritivas como prescritivas (como as teorias de Alexy e MacCormick), decididas a mostrar como as decisões jurídicas se justificam de fato e como deveriam ser justificadas, opondo-se desta forma tanto ao determinismo metodológico (decisões jurídicas não precisam ser justificadas, por emanarem de autoridade legítima ou por se tratarem de simples aplicações de normas gerais), quanto ao decisionismo metodológico (decisões jurídicas não podem ser justificadas, por serem mero ato de vontade).

Para completar o arcabouço teórico necessário à compreensão das Teorias da Argumentação, apresenta o conceito de validade formal. Vez que a lógica formal ou dedutiva se ocupa dos argumentos do ponto de vista de sua correção formal, a questão imposta aqui diz respeito a se comprovar se um argumento é logicamente válido e correto, ou seja, a conclusão deverá ser necessariamente inferida das premissas ou a informação da conclusão já deverá estar inclusa nas premissas. Assim, não é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão não seja.

 A partir deste prisma, apresenta a noção de argumento lógico como sendo: ?Temos uma implicação, ou uma inferência lógica, ou uma argumentação válida (dedutivamente) quando a conclusão necessariamente é verdadeira se as premissas são verdadeiras.? (p. 27).

Após traçar as linhas de base da Teoria Padrão da Argumentação Jurídica, baseada na argumentação dedutiva, segue o autor apresentando os motivos de insatisfação desta em relação aos argumentos articulados no campo do Direito.

Primeiramente considera que a lógica formal ou dedutiva somente oferece critérios de correção formais, sem se ocupar das questões materiais ou de conteúdo, sendo que o problema da correção dos argumentos se manifesta na necessária distinção entre os argumentos corretos e incorretos, válidos e inválidos. A lógica então se coloca como instrumento necessário, mas não suficiente para o controle dos argumentos.

Distinção também necessária diz respeito aos argumentos manifestamente inválidos e aqueles que parecem válidos, mas não são, as chamadas falácias, aqui distintas em falácias formais e falácias não formais, sendo estas últimas divididas em falácias de concernência e falácias de ambigüidade. Importante ressaltar que a lógica formal dedutiva é capaz de enfrentar, adequadamente, somente as falácias formais.

Outro motivo de insatisfação se relaciona ao fato de que a argumentação dedutiva se refere a premissas verdadeiras ou falsas. Entretanto, na argumentação jurídica, os raciocínios partem de normas, em relação às quais não há sentido falar de verdade ou falsidade. Assim, apresenta-se o problema se a lógica se aplica ou não às normas.

No entendimento de Kelsen, as regras da lógica somente se aplicam ao silogismo teórico que se baseia num ato de pensamento, mas não ao silogismo prático ou normativo (o silogismo em que pelo menos uma das premissas e a conclusão são normas), que se baseia num ato de vontade (numa norma). A lógica é uma disciplina prescritiva; não diz como os homens pensam ou raciocinam de fato, apenas como deveriam fazê-lo.

A relação que mantém entre si as normas válidas não é do tipo lógico, por ser possível que normas contraditórias entre si pertençam a um mesmo sistema. Por outro lado há a questão de ser válido inferir uma norma de outra, questões estas respondidas a partir de uma nova definição de argumento dedutivo, tido como ?uma implicação ou inferência lógica ou uma argumentação válida (dedutivamente) quando a conclusão é necessariamente verdadeira (ou seja, correta, justa, válida etc,) se as premissas são verdadeiras (ou seja, corretas, justas, válidas etc.)? (p. 31).

Nos argumentos dedutivos, há a necessidade da passagem das premissas à conclusão e tal passagem tem caráter necessário; nos argumentos indutivos ou não dedutivos, a passagem das premissas à conclusão não é necessariamente feita, embora altamente provável. Todo argumento indutivo poderá se converter em dedutivo, desde que sejam acrescidas as premissas adequadas.

Ao tratar do silogismo judicial, salienta que este tem uma premissa maior, a premissa normativa; uma premissa menor, a premissa fática e uma conclusão. Mas o silogismo não será aplicado sem limites. O primeiro limite se refere àquelas suposições nas quais a conclusão do silogismo não representa a conclusão ou a decisão da sentença, mas mero passo prévio, significando que este não permite reconstruir satisfatoriamente o processo de argumentação jurídica, uma vez que as premissas de que se parte podem precisar, por sua vez, serem justificadas. Também há que se observar o fato de ser a argumentação jurídica entimemática, o que supõe acrescentar premissas às explicitamente formuladas, implicando em reconstruir e não reproduzir um processo argumentativo.

Outro limite apontado é no sentido de que no silogismo judicial se faz uma passagem do plano do discurso para o plano da ação, passagem esta que recai fora da competência da lógica, através da distinção do enunciado normativo e do enunciado performativo.

No que diz respeito aos argumentos dedutivos e não dedutivos, importa ressaltar que tanto o estabelecimento da premissa maior como o da menor, pode resultar de um raciocínio do tipo não dedutivo, valendo-se do raciocínio por analogia, considerado por muitos autores como o protótipo do argumento jurídico. Outro argumento utilizado para estabelecer a premissa normativa quando não se pode partir apenas das normas fixadas legalmente é a redução ao absurdo.

No que se refere à justificação interna e justificação externa, esclarece Atienza que a justificação interna é questão de lógica dedutiva, é a justificação que se refere à validade de uma inferência a partir de premissas dadas; já na justificação externa, é preciso ir além da lógica em sentido estrito, é a justificação que põe à prova o caráter menos ou mais fundamentado de suas premissas. As teorias da argumentação jurídicas estudadas se ocupam da justificação externa.

Ao traçar a relação entre a argumentação jurídica e a lógica jurídica constata que a argumentação jurídica vai além da lógica jurídica, no sentido em que os argumentos jurídicos podem ser estudados desde uma perspectiva que não a da lógica, enquanto que a lógica jurídica vai além da argumentação jurídica, no sentido de que tem um objeto de estudo mais amplo.

Para Norberto Bobbio a lógica jurídica é compreendida pela lógica do Direito e pela lógica dos juristas, onde ao lado da análise da estrutura lógica das normas e do ordenamento jurídico existe a preocupação com os raciocínios ou argumentações feitos pelos juristas teóricos ou práticos.

Já Ulrich Klug partindo de uma concepção da lógica geral como ?teoria da conseqüência lógica? (p.41), chega a Lógica jurídica tida como uma teoria das regras lógico-formais que são empregadas na aplicação do direito (p.41).

Em 1951, surge a disciplina da lógica deôntica ou lógica das normas, considerando-se a lógica jurídica como uma lógica especial elaborada a partir das modalidades deônticas de obrigações, proibições e permissão.

Depois de fixados os conceitos básicos, resta a análise da teoria de cada um dos autores mencionados. Entretanto, independentemente deste estudo não se estender à referida abordagem, importante mencionar que as Teorias da Argumentação apresentadas se traduzem na tentativa de romper com o pensamento clássico, vez que a lógica tradicional não consegue fornecer padrões investigativos ou metodologia eficiente na análise específica da argumentação jurídica.

Maria Andréa de Machado e Bustamante Vieira, Maria Eunice de Oliveira Costa, Valdomiro Vieira são mestrandos do MINTER (Mestrado Interinstitucional) no Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR, em convênio com a FDSM (Faculdade de Direito do Sul de Minas).

Trabalho realizado a partir da análise do Capítulo 1, intitulado Direito e argumentação, da obra: As razões do direito – Teorias da Argumentação Jurídica, de Manuel Atienza, sob a orientação do professor doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho.

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