As pernas dos outros

O que mais se tem ouvido do governo, nos últimos tempos, é que o Brasil agora vai poder andar pelas próprias pernas. O que desencadeou essa proclamação tão otimista, quase eufórica, foi o pagamento antecipado da nossa dívida com o Fundo Monetário Internacional, uma atitude que enche o peito de orgulho e esvazia os nossos bolsos.

Sempre caminhamos pelas pernas dos outros, usando a poupança estrangeira aqui investida especulativamente ou na forma de capitais de risco. Carente de poupança interna, o Brasil sempre teve de usar dinheiro dos outros, pagando juros às vezes escorchantes para poder sobreviver e para pagar os juros das dívidas antes feitas e que iam vencendo. É o rolar das dívidas.

Embora se possa admitir que, mesmo nessa ciranda, progredimos entre os países em desenvolvimento que disputam investimentos estrangeiros, com o nosso risco Brasil caindo a níveis recordes ainda somos o que tem o maior risco. E as estatísticas sociais e econômicas mostram que este grande País – o país do futuro -tem um passado e um presente em que sobressai a miséria de quase a metade da nossa população e a pobreza de outro tanto. Ricos mesmo são algo em torno de 2% dos brasileiros. A distribuição da riqueza é vergonhosa.

Mas, finalmente, veio o atual governo e proclama que conseguiu ingressar numa era em que caminharemos pelas próprias pernas, ou seja, com nossos próprios recursos. Isso é mais uma ambição que um prognóstico. Continuamos levantando dinheiro no exterior.

Os últimos números revelam que, com todo o arrocho fiscal que sofremos nesta administração para formação de superávites que serviram para pagar os juros das dívidas interna e externa, o tamanho do nosso endividamento não se reduziu. A dívida pública brasileira acaba de bater novo recorde, passando a casa de R$ 1 trilhão.

A política de ?mão de vaca? conseguiu produzir um superávit de 4,84% do PIB, bem mais do que a meta inicial de 4,25%. Mais, inclusive, do que nos recomendava o FMI. Economizamos muito, pagamos a dívida com o FMI e a dívida geral do País ficou ainda maior. Do orçamento, o governo gastou quase nada, segurando os recursos destinados a programas dos ministérios. O primeiro a reclamar foi Cristovam Buarque, então ministro da Educação. Levou um puxão de orelha público de Lula, agüentou mais algum tempo no governo e, quando estourou a crise política e moral, deixou o cargo e saiu até do PT. A segunda grita veio da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que criticou de público o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, condutor do arrocho para pagar a dívida externa.

Lula ficou em cima do muro, embora fosse uma discussão essencial da política econômica do seu governo e, afinal, disse que ambos tinham razão. Algo como ?nem sim nem não, muito pelo contrário?. Agora, em reunião com auxiliares, o presidente lamenta que os juros altos tenham minimizado o impacto positivo do superávit primário recorde sobre a relação entre a dívida pública e o PIB. E mandou afrouxar a política fiscal. ?A Dilma tinha razão?, disse Lula, referindo-se à polêmica sobre a política fiscal de Antônio Palocci, que apoiou.

Antes tarde do que nunca, mas deve ser considerado que o País já sofreu com essa política, houve mortos e feridos e este é um ano eleitoral. Soltar os gastos pode dar votos. Ou aumentar os desperdícios.

Voltar ao topo