As instituições financeiras e a tutela dos consumidores

Mesmo após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter editado o Verbete n.º 297 de sua Súmula de Jurisprudência Predominante (?o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras?), essas instituições resistem aos ditames da Lei n.º 8.078, de 15/09/1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No último ?round? da luta das instituições financeiras contra o CDC, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) n.º 2.591, na tentativa de excluir as relações dos bancos e seguradoras com seus clientes da aplicação do CDC.

Advogam a causa os notáveis juristas Ives Gandra da Silva Martins, Arnoldo Wald e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza. O primeiro, em artigo publicado na edição n.º 215 da Revista Jurídica Consulex (31/12/2005, p. 37), intitulado ?os bancos e o direito do consumidor?, esclarece ser o pedido objeto da Adin a simples declaração de qual seja a normativa jurídica aplicável aos bancos: se o CDC ou se a Resolução n.º 2.878 (26/07/2001) do Banco Central do Brasil (Bacen), sugestivamente chamada de ?Código de Defesa do Consumidor Bancário? (?CDCB?).

A Resolução n.º 2.878 do Bacen ?dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao publico em geral?.

O conteúdo da normativa do Bacen, embora (na aparência) ?favorável? aos consumidores, não se compara com a proteção concedida pela Lei n.º 8.078/1990, diga-se, o verdadeiro CDC. Basta observar, por exemplo, que a Resolução (?CDCB?) não cuida adequadamente da proteção contratual, pela qual é possível a declaração de nulidade de cláusulas abusivas e a interpretação contratual mais favorável aos consumidores. Também não cogita da responsabilidade civil objetiva dos entes financeiros, pela qual os consumidores podem pedir reparação de danos sem precisar provar culpa dessas instituições. O ?CDCB? tampouco prevê proteção processual, como a garantia da inversão do ônus da prova e o trâmite do processo no domicílio do consumidor.

A manobra das instituições financeiras, com o ajuizamento da indigitada Adin, é perniciosa (maléfica mesmo), pois o ?CDCB?, além de ignorar importantes direitos consagrados pelo CDC, ainda dá azo a que as casas bancárias sequer cumpram seus ditames. Explica-se: é comum em ações judiciais contra instituições financeiras a alegação pela qual ?resolução não tem força de lei?, como justificativa para o não cumprimento de normas emanadas do Bacen.

Isso ocorreu, por exemplo, em processos nos quais discutia-se a responsabilidade civil de bancos decorrente de prejuízos sofridos por quem recebeu cheques de contas encerradas, nos termos da Resolução n.º 2.025 (24/11/1993) do Bacen.

A Resolução n.º 2.025 ?altera e consolida as normas relativas à abertura, manutenção e movimentação de contas correntes?, prevendo, em seu artigo 12, que ao ser encerrada conta corrente, a instituição financeira é obrigada a envidar esforços para retomar os talonários de cheques (ainda não utilizados) em poder do cliente. Se isso não ocorrer, quem receba cheques sem fundos dessas contas encerradas pode postular indenização dos prejuízos decorrentes.

Uma decisão do extinto Tribunal de Alçada do Paraná é ilustrativa. Trata-se da Apelação Cível n.º 87.059-5, julgada pela 3.ª Câmara Cível (25/02/1997) e relatada pelo insigne Magistrado Celso Guimarães. O Banco Nacional S/A apelou da sentença proferida pelo MM Juiz de Direito da 6.ª Vara Cível da Comarca de Maringá, a qual acolheu parcialmente pedido indenizatório formulado por Jair Martins de Oliveira, em razão do recebimento de cheques emitidos por ex-cliente do banco, cuja conta havia sido encerrada. Nas razões de apelação sustentou o banco: ?as resoluções do Banco Central não têm força de lei, apenas orientando o sistema financeiro, não sendo prática usual recolher talões de cheques de correntistas com contas encerradas? (…)

Ou seja, sem embargo de outras interpretações, vislumbra-se a edição do ?CDCB? como uma ousada manobra das instituições financeiras, com o amparo do Bacen. A vingar a pretensão, toda e qualquer relação de consumo entre essas instituições e seus clientes passaria a ser regulada pela Resolução, não mais pelo CDC. E pior: em processos judiciais as instituições debateriam (como debatem) a tese segundo a qual ?resolução não tem força de lei? (…) De qualquer maneira, estariam bem amparados e protegidos os ?interesses? desses gigantes conglomerados, em prejuízo dos consumidores.

É preciso reagir contra tal situação, pois a sociedade não merece sofrer mais esse golpe aplicado pelas instituições financeiras. O Poder Judiciário, nomeadamente o STF, guardião da Constituição da República, deve repelir a pretensão da Consif, reconhecendo a aplicabilidade plena e irrestrita do CDC às instituições financeiras, como já o fez o STJ reiteradas vezes, consolidando o entendimento pela Súmula n.º 297.

Em linhas gerais, o ?CDCB? não é colidente ou mesmo excludente em relação ao CDC, podendo ter ambas as normativas aplicação concomitante. Os clientes das instituições financeiras (consumidores) merecem a mais ampla tutela nas relações jurídicas mantidas com esses poderosos entes.

É inaceitável a exclusão das instituições financeiras às regras do legítimo CDC, pois, afinal, a própria Lei n.º 8.078/1990 dispõe ser ?consumidor quem utiliza produto ou serviço como destinatário final?, e ?fornecedor quem distribui ou comercializa produto ou presta serviço?. O produto (crédito) e os serviços bancários incidem na proteção legal. Aliás, o legislador explicitou ser ?serviço qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (…)?

A clareza da lei é eloqüente e dispensa outros comentários.

Flori Antonio Tasca é professor, advogado, doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. fa.tasca@brturbo.com.br

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