Luiz Gustavo de Andrade

As astreintes no processo eleitoral

O termo astreintes identifica a multa diária capitulada no art. 461, § 4.º e 5.º, e art. 461-a, § 3.º, do Código de Processo Civil. Trata-se de um provimento que pode ser concedido “ex officio”, ou seja, independentemente de requerimento do autor, e tem por fim assegurar efetividade à tutela específica da obrigação de fazer ou de entregar coisa, bem como coagir o devedor a cumprir a ordem judicial deferida em caráter antecipatório ou em sentença. Em outras palavras, a multa é cominada para o caso de descumprimento da ordem judicial pelo devedor, réu na ação, podendo ser aplicada, especificamente, para as decisões que imponham uma obrigação de fazer ou de entregar coisa (não para as ordens judiciais de pagamento de quantia em dinheiro).

O Código de Processo Civil, de forma expressa, nos arts. 273, § 3.º e 475-o, possibilita que a multa cominatória (astreintes) deferida com base nos arts. 461 e 461-a, CPC, seja executada provisoriamente, enquanto o devedor não cumpre a obrigação principal (de fazer ou entregar) que lhe foi imposta. O art. 475-o, do CPC, recente substituto do anterior art. 558, disciplina o procedimento de execução da multa.
Questão interessante é a aplicação de tal sistemática no âmbito eleitoral, considerando que a legislação processual civil é fonte subsidiária do processo eleitoral(1). As lides envolvendo propaganda irregular constituem bom exemplo de tal aplicação das astreintes, na medida que nas representações em que se discute a realização de propaganda em desacordo com a regulamentação, é dado ao magistrado a prerrogativa de cominar multa à ordem que impõe, ao representado, a obrigação de desfazer ou fazer cessar a irregularidade. Durante as últimas eleições, os Tribunais Regionais Eleitorais tiveram a oportunidade de se manifestar a respeito do assunto. Cita-se a título exemplificativo: “O dispositivo do artigo 7.º da Resolução TSE n.º 22.718/2008 não prevê aplicação de multa eleitoral acaso a propaganda seja veiculada em desacordo com o seu texto. Entretanto, essa lacuna não impede que o magistrado, atento ao princípio da efetividade do processo, adote, até mesmo de ofício, as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, nos termos do artigo 461, § 5.º, do Código de Processo Civil”(2). E ainda: “Presença dos requisitos necessários ao deferimento. Aparência do bom direito e o risco aparente, elementos comprovados nos autos. Deferimento da liminar. Determinação do recolhimento das camisetas e o conseqüente depósito no Cartório Eleitoral (…) sob pena da aplicação de multa (astreintes) de dez mil reais”(3).

Importante ressaltar que a multa eleitoral prevista como penalidade (arts. 367 do Código Eleitoral e art. 38 da Lei 9.096/95) difere da multa cominatória prevista no artigo 461 e 461-a, do CPC, vez que a primeira tem natureza material punitiva, enquanto a segunda tem natureza processual coercitiva, voltada a compelir o devedor a realizar a prestação determinada pela ordem judicial.

A conseqüência de tal diferenciação está no fato de que os valores da multa cominatória (astreintes) não revertem para o Fundo Partidário, como ocorre com a multa penalidade. Os valores executados a partir das astreintes são revertidos para o credor, que faz jus independentemente do recebimento de eventuais perdas e danos ou de eventual cumprimento a posteriori da obrigação, pelo devedor.

Neste sentido, leciona Vicente Greco Filho, ao tratar da matéria no âmbito processual civil: “A multa é instituída em favor do credor e sem prejuízo das perdas e danos causadas pela conduta lesiva do devedor. Todavia não pode ser infinita. O juiz, verificando que a multa não alcançou seu efeito compulsivo deve determinar sua cessação, convertendo a obrigação pessoal em perdas e danos, que serão liquidadas na própria execução”(4). O STJ já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão: “(…) Diária cominatória. Cabimento. Natureza. Proveito em favor do credor. (…) Os valores da multa cominatória não revertem para a fazenda pública, mas para o credor, que faz jus independente do recebimento das perdas e danos. Consequentemente, não se configura o instituto civil da confusão previsto no artigo 381 do Código Civil, vez que não se confundem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor. (…) Advirta-se, que a coerção exercida pela multa é tanto maior se não houver compromisso quantitativo com a obrigação principal, obtemperando-se os rigores com a percepção lógica de que o meio executivo deve conduzir ao cumprimento da obrigação e não inviabilizar pela bancarrota patrimonial do devedor”(5).

Ressalta-se, entretanto, que a questão da reversibilidade da multa coercitiva (astreintes) em favor do autor é controvertida no âmbito eleitoral. Na oportunidade que teve para se pronunciar sobre a questão nas últimas eleições, o TRE-PR entendeu de forma diversa da que é exposta no presente estudo. Em acórdão da lavra do Dr. Auracyr de Moura Cordeiro, nos autos de Recurso Eleitoral 5159, o Tribunal sustentou que as multas eleitorais não são revertidas em favor do autor da representação, mas sim ao Fundo Partidário, e que a “efetividade das decisões cominatórias conhecidas por “astreinte’ se dá com inscrição do débito na forma prescrita no artigo 367 do Código Eleitoral, seguindo-se, na ausência de pagamento voluntário, de execução forçada, por conta da Advocacia Geral da União”(6). O Tribunal, entretanto, não afastou a possibilidade de sua execução, impondo apenas a sua reversão ao Fundo Partidário.

Bom destacar, por outro lado, que o próprio acórdão reconhece que não são todas as multas que se revertem ao fundo partidário (como manda o art. 38, I, da Lei 9.096/95). O acórdão cita a hipótese de multa processual, no processo eleitoral, que se reverte em favor da parte adversa, qual seja, a multa por litigância de má-fé. A questão da reversibilidade da multa ainda está pendente de julgamento definitivo, ante a existência de Recurso Especial junto ao TSE, no caso acima mencionado, oriundo do Paraná.

Pode-se concluir, nos estreitos limites do presente estudo, que a multa cominada a uma ordem judicial, em processo eleitoral, é passível de execução, sempre que a decisão for descumprida. Independentemente de quem seja o favorecido pela multa, as astreintes mostram-se como instrumento efetivo a vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação que lhe é inerente em âmbito eleitoral.

Notas:
(1) TREAM. Proc. 812000, Rel. Des. Arnaldo Campello Carpinteiro Peres, DOE 12/12/2000.
(2) TREGO. RE 5717, Rel. Ilma Vitório Rocha, DJ 16/04/2010.
(3) TREMG. RE 5845, Rel. Mariza de Melo Porto, DJ 24/10/2008.
(4) GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. 3. 18.ª ed. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 74.
(5) STJ, REsp 770753/RS, Rel. Ministro Luiz Fux , j. 15/03/2007.
(6) TREPR. RE 5159, Rel. Auracyr Azevedo de Moura Cordeiro, j. 22/08/2008.

Luiz Gustavo de Andrade é advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados. Mestre em Direito e Professor do Unicuritiba.

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