Apontamentos sobre os descontos fiscais (Imposto de Renda) na Justiça do Trabalho

1. Legislação sobre a competência

Toda a polêmica quanto à competência da Justiça do Trabalho para efetuar descontos a título de imposto de renda teve início com a Lei n.º 8.541/92.

2. Orientações do C. TST

A Corte Máxima Trabalhista aborda o tema da competência no Provimento n.º 01/93 da CGJT, na Orientação Jurisprudencial n.º 32 da SDI I (“Descontos legais. Sentenças trabalhistas. Contribuição previdenciária e imposto de renda. Devidos”) , no Provimento n.º 01/96 da CGJT e na Orientação Jurisprudencial n.º 141 da SDI I (“Descontos previdenciários e fiscais. Competência da Justiça do Trabalho”).

3. A incompetência e a inconstitucionalidade

Os argumentos para a incompetência da Justiça do Trabalho, em suma, seriam os de que o seu reconhecimento transforma a Justiça do Trabalho em órgão arrecadador, e os seus juízes, em agentes do Executivo, o que violaria a tripartição dos Poderes da República e a autonomia assegurada a cada um deles (art. 2.º da CF/88)(1).

4. A posição do Excelso Supremo Tribunal Federal.

Na esteira da competência para deduções previdenciárias, o E. STF registrou entendimento no mesmo sentido, ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 196.517-PR, em 14.11.00 (Rel. Min. Marco Aurélio), o que vem sendo acolhido nos Tribunais Trabalhistas. A Seção Especializada do E. TRT da 9.ª Região já registrou comando exatamente neste sentido, através de sua Orientação Jurisprudencial n.º 08: “DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COISA JULGADA. Silente a sentença ou o acórdão, quanto aos descontos previdenciários e fiscais, inexiste coisa julgada, sendo possível autorizá-los na fase de execução” (DJPR 09.05.03).

São precedentes os agravos de petição 2.220/01(Ac. 5.208/02. Re. Juíza Eneida Cornel. DJPR 15.03.02) e 2.716/01 (Ac. 9.086/02. Rel. Juiz Nacif Alcure Neto. DJPR 03.05.02).

5. A coisa julgada

Silente o título executivo, ou seja, a sentença transitada em julgado, acerca dos descontos fiscais, na execução poderá se discutir a respeito de seu cabimento ou não, pois, neste caso, inexistindo debate na fase cognitiva, não se perfecciona a coisa julgada. Por outro lado, se autorizados os descontos, tudo quanto consta do título deve ser observado (base de cálculo, época própria…). A mesma OJ 08 da SE do E. TRT da 9.ª Região, antes citada, também trata dessa matéria.

6. Responsabilidade e critérios para os descontos

O empregado é quem paga pelas contribuições fiscais, cabendo ao empregador apenas o dever de recolhê-las e comprovar nos autos este recolhimento. E quanto aos critérios, existem duas correntes. Uma, defende a necessidade do cálculo mês a mês, em atendimento ao princípio da capacidade econômica do contribuinte (artigo 145, parágrafo 1.º, da CF/88), autorizando as deduções (art. 462 da CLT). Outra, capitaneada pelo C. TST (OJ 228 da SDI I/TST), dispõe que o cálculo deva acontecer ao final, sobre a totalidade das verbas tributáveis, porque o pagamento se constitui o fato gerador.

7. Verbas tributáveis e não tributáveis

O elenco de verbas passíveis ou não de incidência de imposto de renda encontra-se nos arts. 43 e 55, VIII, do Decreto n.º 3.900/99, tendo importância, igualmente, o que consta do art. 70.º, 5.º, da Lei n.º 9.430/96. Dentre as mais comuns, podem ser destacadas: a) salário-base; b) gratificações (habituais ou não); c) adicionais de insalubridade, periculosidade, horas extras, noturno, sobreaviso, etc;d) prêmios; e) férias; f) comissões; g) utilidades salariais.

8. Incidência da contribuição fiscal sobre juros

A Orientação Jurisprudencial n.º 228 da SDI I do C. TST, ao aludir ao total da condenação, sinaliza para a consideração dos juros na base de cálculo do imposto de renda, apesar de uma de suas Turmas, mais recentemente, ter se posicionado em sentido contrário (TST-ED-RR-377748/97. 3ª T. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula. DJ 10.05.03).

9. Forma de cálculo do imposto de renda incidente sobre o valor da liquidação trabalhista

O Decreto n.º 3.000/99 permite estabelecer-se uma criteriosa seqüência para o cálculo, a qual, no entanto, dependendo do entendimento que se abrace quanto às verbas tributáveis ou não, poderá ser alterada. José Aparecido dos Santos, em obra sobre o tema, traz esmiuçado todo o procedimento a respeito(2).

10. Questões controvertidas

Suscitam dúvidas a incidência ou a forma de incidência de imposto de renda sobre as seguintes verbas: a) férias e 13.º salários; b) indenização decorrente de plano de demissão voluntária; c) multa do parágrafo 8.º do art. 477 da CLT; d) indenização adicional; e) indenizações por danos morais e outras; f) férias indenizadas e proporcionais; g) licença-prêmio. A tendência que se verifica é a seguinte: incide imposto de renda apenas sobre as verbas constantes das letras “a”, separadamente, e “f”, não incidindo, conseqüentemente, sobre as de letras “b”, “c”, “d”, “e” e “g”.

11. Indenização por ausência de desconto de imposto de renda em época própria

Não se entendendo pelo cálculo mês a mês dos descontos fiscais, o empregador pode sujeitar-se ao pagamento de indenização pelo prejuízo que o empregado vier a sofrer com o cálculo sobre o total: TST-E-RR 556.075/99.4. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paulo. DJ 27.06.03.

Não é de difícil ocorrência a hipótese do trabalhador que recebe por vários anos cerca de um salário mensal, sem, contudo, ver quitados férias, 13.º salário e horas extras, e, depois, ingressa com ação perante a Justiça do Trabalho. Obtendo ganho de causa, de tal forma que as parcelas apuradas em liquidação atinjam valor superior ao máximo indicado como base de cálculo do imposto de renda (atualmente, R$ 2.115,00), ele, necessariamente, se encaixará dentre uma das faixas sujeitas à retenção, enquanto que, se tivesse recebido corretamente seus haveres, jamais teria contribuído para o fisco, daí o cabimento da indenização a que nos referimos.

12. É possível a atuação, na Justiça do Trabalho, do órgão arrecadador quando se está a definir o quantum devido a título de imposto de renda?

Não havendo regra específica a regular a matéria no âmbito da execução trabalhista, o Juiz do Trabalho é que, sem qualquer possibilidade, de participação da Receita Federal, define todos os critérios.

Havendo alguma diferença que o órgão executivo entenda existente, ele deverá lançar mão dos meios próprios de que dispõe para a cobrança (Lei n.º 6.830/80), fora, portanto, da Justiça do Trabalho.

13. Consideração final

Adeptos à idéia de que a Justiça do Trabalho deve expandir seu campo de competência, e, mais, considerando a importância da discussão, presente em quase a totalidade das lides trabalhistas, já é chegada a hora de o legislativo, a exemplo do que ocorreu quanto às contribuições previdenciárias (Lei n.º 10.035/00), editar lei específica, a fim de que desapareçam, ou, ao menos, se amenizem as dúvidas a respeito de tão relevante matéria. Georgenor de Souza Franco apresenta os motivos para tal afirmativa: “A uma, porque, ao reter o imposto sobre a renda, evita-se a sonegação fiscal. A duas, porque é dever de todos o pagamento de tributos, salvo as exceções legais. A três, porque são decisões da Justiça do Trabalho que se executam, pelo que inexiste incorreção em promover esses recolhimentos no âmbito desse segmento do Poder Judiciário”(3).

1 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 642.

2 SANTOS, José Aparecido dos. Cálculos de liquidação trabalhista. Uma obra definitiva. Curitiba: Juruá, 2003. p. 535-536.

3 FRANCO, Georgenor de Souza. Direito do Trabalho no STF. n. 4. São Paulo: LTr, 2001. p. 73.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz do TRT da 9.ª Região e mestre e doutor em Direito. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.

Voltar ao topo