Anedotário político

O presidente da República não parece estar preocupado com as interpretações e, tampouco, com os impactos negativos que algumas de suas afirmações, feitas no calor da hora, porventura causem na opinião pública. Nesse quesito, Lula deu inúmeras mostras do pouco apreço às ponderações que um ou outro assessor mais chegado lhe tenha feito chegar aos ouvidos, quanto à vigilância constante que um chefe de governo jamais deveria dispensar nas ocasiões em que discursar é preciso.

Lula está legando aos futuros biógrafos, historiadores e cientistas políticos um manancial de ditos e desditos, contradições, chistes, piadinhas de mau gosto, afora as incontáveis metáforas colhidas do fértil jargão futebolístico acrescentadas diariamente a não pequena coleção de falas.

A última contribuição a essa antologia anedótica deu-se na recente visita a um canteiro de obras da Ferrovia Norte-Sul, no distante Tocantins, obra iniciada pelo então presidente José Sarney, um dos integrantes da caravana oficial em ato explícito de campanha eleitoral, inclusive com transporte e lanches fornecidos pelo governo estadual. Sobre a Norte-Sul, é bom recordar que o projeto foi embargado pela Justiça antes da colocação do primeiro dormente, porquanto o jornalista Jânio de Freitas, da Folha de S. Paulo, previamente à abertura da licitação já publicara na forma de anúncio cifrado as letras iniciais das 18 empresas ganhadoras da concorrência.

No exato cenário que lhe deu munição para tantos ataques pessoais ao ex-presidente, confessou, Lula afinal penitenciou-se da ingratidão anterior e, calçando as sandálias de São Francisco de Assis sentenciou que ?somente depois de andar pelo Brasil é que me dei conta de quantas vezes nós cometemos injustiças contra as pessoas?. Sarney, no palanque, perfeito símile do patrimonialismo político brasileiro que resiste a tudo e a todos sem perder o britânico aplomb, mal teve forças para esboçar um apagado sorriso.

Sem dúvida, Lula não apenas reconhecia naquele momento o tamanho da arrogância pretérita, como admitia na figura hierática do benefector maranhense transplantado para o Amapá o grande timoneiro do desembarque do PMDB velho de guerra em sua candidatura à reeleição.

Sendo a política a arte da convivência dos contrários, na lição magistral de Ulysses, reformada por Brizola como rascante deglutição de sapos (barbudos), o que resta aos mortais comuns?

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