Agressividade de Morales concentra atenções em Viena

Evo Morales, em sua estréia como presidente da Bolívia num encontro transcontinental de porte, surpreendeu e irritou o governo brasileiro. Além disso, enterrou de vez a intenção do presidente Luis Inácio da Silva de marcar sua participação no encontro de cúpula da União Européia e América Latina com um discurso de liderança regional concentrado na necessidade de se superar o impasse nas negociações multilaterais de comércio.

"Morales tomou conta da cúpula". Esse foi uma das frases mais repetidas entre as centenas de jornalistas estrangeiros e até diplomatas europeus e latino-americanos após a entrevista do presidente boliviano. Nem mesmo as pirotecnias retóricas do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que foi recepcionado por uma "manifestação de apoio" (a ele próprio) com cerca de 150 pessoas diante de um hotel Hilton da capital austríaca foram capaz de ofuscar o impacto das declarações do líder boliviano. O primeiro ministro da Espanha, José Luis Zapatero, que também foi alvo do tiroteio desferido por Morales, ao entrar no luxuoso hotel Imperial, que também abriga Lula, respondeu com um sorriso meio sem graça e um aperto no passo a uma pergunta de uma repórter espanhola: "E a Bolívia?".

A iniciativa de Morales, de conceder uma entrevista coletiva para cerca de 200 jornalistas de todo o mundo antes mesmo do início oficial do encontro ontem à noite certamente foi um passo planejado. Uma das teses é que o presidente boliviano decidiu dar uma resposta dura às acusações, boa parte delas provenientes do Brasil, de que estaria agindo sob o comando de Chávez. Deixando-se de lado a análise sobre o teor das declarações de Morales, não há dúvida que ele impressionou pela fluência e firmeza de sua performance.

O mal estar causado por Morales na comitiva brasileira foi grande e refletido apenas parcialmente pelas declarações posteriores do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que de uma forma enviesada disse que o Brasil ficou "indignado". Alguns diplomatas brasileiros presentes no evento, geralmente comedidos, não esconderam, em conversas informais, uma grande dose de irritação. Observadores experientes da política externa brasileira afirmaram que, pelo menos nas últimas décadas, não houve casos semelhantes no qual um chefe de Estado estrangeiro empregou termos tão duros e agressivos contra o País.

O formato da resposta dada por Amorim foi intensamente debatida desde que o teor da entrevista de Morales chegou ao conhecimento de Lula. Procurou-se encontrar uma maneira de não se passar a impressão de uma reação considerada branda demais e, ao mesmo tempo, não alimentar ainda mais o debate, evitando assim que o tema Bolívia domine todo o restante da Cúpula, cujo dia mais importante será hoje.

Lula queria que as manchetes sobre sua viagem a Viena se concentrassem em seu discurso sobre a OMC e negociações comerciais entre o Mercosul e Europa. Mas dificilmente retornará ao Brasil, amanhã à noite, com esse objetivo cumprido. Logo após o anúncio da nacionalização do gás na Bolívia, muitos diplomatas estrangeiros brincavam que o episódio resultara num placar Chávez 1, Lula 0. Ontem, o placar mais popular era Morales 4, Lula 0.

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