Aftosa e superávit

O problema da aftosa no rebanho bovino brasileiro continua afligindo. É um grave problema de saúde animal e gravíssimo risco à riqueza nacional. O crescimento das exportações vinha ocorrendo a contento, embora ainda estejamos a léguas da maioria dos países em desenvolvimento, bloco no qual nos encaixamos. O presidente Lula, com o escancarado otimismo que o caracteriza, mesmo engolfado em severa crise política que atingiu os que o rodeiam, do PT aos aliados e até seu governo, foi à Europa. Quando mais de quarenta países fecharam as portas para a entrada da carne bovina brasileira, defendendo-se da aftosa, ele declarou publicamente que o mal já estava debelado. Em seguida, foram descobertos novos focos no sul do Mato Grosso do Sul, onde a doença foi primeiro detectada, e há suspeita de outros no Paraná e em São Paulo. Estados brasileiros fecharam suas fronteiras para o gado paranaense, o que é compreensível e até recomendável.

Às declarações otimistas do presidente opuseram-se números levantados pelo Tribunal de Contas da União, que, há seis meses, vinha auditando a aplicação de recursos orçamentários nos programas permanentes de saúde animal. Contra a aftosa só havia sido aplicado 0,46% do que a lei de meios determinava.

Agora, a coisa melhorou, ou ficou menos pior. O Ministério da Agricultura liberou 20% do orçamento inicial de R$ 35,3 milhões para a campanha de erradicação da febre aftosa. Enquanto o presidente culpa os fazendeiros, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, órgão da conceituada Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, mostra que a defesa sanitária no País sobrevive com o apoio dos investimentos privados.

Sílvia Helena Galvão de Miranda, coordenadora dos estudos feitos por aquela instituição, afirma que, em média, o setor privado participou com 74,1% dos gastos de 1992 a 2004. No ano passado, os gastos privados chegaram a representar 71%. No ano anterior, a 90%.

Segundo o centro de estudos, no ano passado foram gastos US$ 224 milhões com defesa sanitária. Desse valor, US$ 160 milhões saíram do setor privado e só US$ 40 milhões do governo federal. Os governos estaduais entraram com US$ 24 milhões.

Comprovados os ?equívocos? de Lula quando disse que os focos de aftosa estavam debelados e atribuiu a culpa aos fazendeiros, é de se perguntar: onde foi parar o dinheiro do orçamento federal destinado às campanhas preventivas de saúde animal, particularmente para evitar a aftosa?

Tais recursos, na política rígida e nem sempre inteligente do Ministério da Fazenda, com o aval integral do presidente da República, foi destinado a formar cada vez maiores superávites primários, dinheiro que se destinou ao pagamento da dívida externa. Não há dúvida que é bom que paguemos a dívida externa e, para isso, obtenhamos o máximo possível de superávites. Não é boa política, entretanto, que esse dinheiro seja desviado para os credores no exterior em quantias tão grandes que não sobre o suficiente para promover o desenvolvimento nacional. E é sem dúvida uma política burra dar aos estrangeiros, nossos credores, quantias superiores ao que perderemos com a ausência de investimentos na prevenção de males como a aftosa. As nossas exportações de carne bovina, setor no qual éramos primeiros do mundo, já não se fazem e perderemos muito mais do que destinamos a pagar as contas dos nossos credores estrangeiros.

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