Abuso interventivo estatal assumido pela prisão processual no Brasil

A prisão processual, a despeito dos avanços havidos na estruturação democrática nacional, tem vivido um dos seus mais vigorosos períodos, havendo, em grande parte pelo discurso do pânico na sociedade brasileira, verdadeira febre acautelatória, em que a hermenêutica que se tem construído é de um estado intervencionista ao extremo nas liberdades dos indivíduos não processados criminalmente e sobre os quais recai, ainda, o estado constitucional de inocência.

É seguro afirmar que a Constituição Federal determina fundamentais aspectos da estrutura do aprisionamento cautelar, ou processual, no ordenamento jurídico brasileiro, aspectos estes que, em regra, têm sido ignorados na prática judicial.

A democracia tem na garantia do estado de inocência um instituto fundamental de segurança dos cidadãos contra a abusiva intervenção do Estado nas liberdades fundamentais. Ocorre que, a partir do estado de inocência, constitucionalmente assegurado no Brasil, toda e qualquer forma de prisão processual é medida excepcional, aplicável somente em casos de extremada necessidade e que não haja possibilidade alguma de manter o acusado respondendo ao processo em liberdade.

Importante visualizar que o encarceramento, enquanto medida punitiva final condenatória, encontra-se em processo reducionista em todo o globo, ante a constatação de seus efeitos maléficos, tanto para a pessoa do condenado, que acaba por se tornar, ao final da execução penal, muito mais agressivo, quanto para a sociedade, que tem em tal sistema punitivo um modelo absolutamente ineficaz, onde o condenado raramente apresenta melhoras comportamentais.

Pois bem, se até mesmo o aprisionamento daqueles que restaram condenados em sentença penal transitada em julgado encontra-se em franco processo de decadência, não há razoabilidade em sustentar, como tem havido no Brasil, um crescente da prisão cautelar, contra pessoa que apresenta todas as possibilidades legais de, ao final, ser declarada inocente.

A decretação ou manutenção da custódia prisional preventiva depende da existência de fortes razões, no sentido de que a liberdade do acusado represente concretamente prejuízo para o processo.

Não basta um temor imaginário para com a pessoa do acusado ou a repulsa causada ao julgador, em seu subjetivismo, pelo fato em apuração; é fundamental que haja necessidade objetiva da segregação daquele que ainda mantém seu status de inocente.

A total excepcionalidade do ato de aprisionamento processual verifica o grave risco que representa sua implementação para a pessoa do acusado que pode, ainda, vir a ser absolvido, ou mesmo sofrer, em hipótese de condenação, punição menos gravosa que a prisão, gerando, então, uma insuperável contradição, na qual o processo contra o indivíduo detentor do estado constitucional de inocência torna-se mais gravoso do que a pena aplicada ao indivíduo condenado.

Assim, a atual política de ?prisionalização processual? verificada no Brasil contraria de forma evidente a Carta Maior, representando, ademais, contraproducente permissão de excesso interventivo em favor do Estado e quebra da estrutura democrática, pela qual se regra a sociedade brasileira, pois estabelece os claros contornos de um poder público incontrolável e cerceador das liberdades fundamentais como prática comum e normal.

O risco de que não sejam denunciados e contidos os excessos interventivos do Estado Brasileiro é evidente; ?o poder gosta do poder? e tende a sempre querer produzir agigantamento do seu exercício. Ocorre que mais poder ao Estado é a contra-face de menos direitos aos cidadãos.

Desta forma, ao Magistrado impõe-se especial racionalidade, superando a pressão da opinião pública e dos meios de comunicação de massa e ofertando a razoável solução aos conflitos do cotidiano, dentro do seu papel de conter o poder público e garantir as liberdades fundamentais, mesmo em momentos como o presente, em que as trevas medievais mascaradas de discurso de segurança social voltam a rondar a sociedade.

Nesse sentido, enfim, vale lembrar que esta é apenas a velha página de uma história que já foi encenada pela humanidade. Recorde-se que Hobbes apresentou seu Estado Leviatã pela necessidade de que o poder público oferecesse segurança aos cidadãos e, assim, em nome da segurança, justificou-se, com fundamento em Hobbes, o absolutismo que vigorou na Europa até a feliz vitória das idéias iluministas de Spinoza, Rosseau e Montesquieu, entre outros, idéias estas que o Brasil hoje torna vulneráveis no abraço impensado que dá, de forma calorosa, no Leviatã.

Adel El Tasse é advogado em Curitiba. Titulariza o cargo de Procurador Federal junto à Universidade Federal do Paraná. Desempenha a atividade do Magistério, na cadeira de Direito Penal, em cursos de graduação e pós-graduação, em diferentes instituições de ensino superior. Professor nas Escolas da Magistratura Federal e Estadual do Estado do Paraná. Professor no Curso LFG (São Paulo/SP). Mestre e Doutorando em Direito Penal. Integrante da coordenadoria do Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. adel@eltasse.com.br

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