A vitória de Pirro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçou ir ao Congresso para promulgar as reformas da Previdência e tributária que acabam de ser aprovadas pelo Senado. O presidente, no entanto, foi contido por seus auxiliares que, cautelosos, o demoveram da intenção de participar de uma cerimônia de caráter “impopular”. Além disso, o Congresso é sede de outro poder, o Legislativo, e dizem os manuais da convivência democrática que lá o chefe do Executivo somente deve comparecer quando convidado. O que não ocorreu nesse episódio.

Além de ter se autoconvidado a uma cerimônia e depois recuado por considerar justa sua classificação de “impopular”, o presidente não tinha mesmo nenhum motivo para ir ao Congresso. Comemorar o quê, afinal, se as duas pretensas “reformas” não passam, na prática, de um rascunho de intenções desencontradas?

O presidente, desde o início do seu mandato, que está para completar um ano, tem apregoado que essas reformas – reformas, aliás, que o seu partido, o PT, tanto combateu quando encontrava-se na oposição – se converteriam, primeiro, numa grande conquista no terreno político e, segundo, num enorme avanço no terreno administrativo, já que elas eram necessárias para modernizar o Estado e atenuar os paquidérmicos gastos públicos.

A história registra que o rei de Epiro, Pirro I (318-272 a.C), ao felicitar seus generais após a batalha de Asculum contra os romanos, batalha na qual seu exército fora praticamente dizimado, disse que com mais uma vitória daquelas ele e o seu reino estariam acabados. Desde então, a expressão “Vitoria de Pirro” tornou-se sinônimo de uma vitória com todas as manifestações de uma derrota.

A “vitória” de Lula ao ter aprovadas as duas “reformas” reúne os elementos necessários à sua comparação com a lendária vitória do rei de Epiro: o texto final de ambas sofreu tamanha modificação em relação ao apresentado pelo Planalto, tímido em sua concepção, que mais recuamos do que avançamos em matéria de modernização do Estado e desoneração da produção. Desoneração que há décadas vem sendo exigida como condição para um crescimento econômico sólido.

No que, enfim, resultou a reforma tributária? Basicamente, na prorrogação da CPMF e da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até o ano de 2007, o que, no primeiro caso, representará somente no ano que vem uma receita de R$ 20 bilhões, ou mais, e no segundo, a possibilidade de o governo gastar até 20% da receita sem se sujeitar à previsão orçamentária.

Além disso, governadores e prefeitos terão uma fatia de 25% da Cide, tributo que incide sobre combustíveis. Medidas que pretendem desonerar os bens de capital e a folha de pagamento -os únicos avanços visíveis da “reforma” tributária – dependerão de regulamentação.

O mais grave desta “reforma”, porém, é o fim da cumulatividade da Cofins tendo, como contrapartida, o aumento da alíquota dos atuais 3% para 7,6%. O governo atropelou o Congresso ao apresentar a proposta em forma de Medida Provisória.

Como até o dia 19 de dezembro o Senado ainda não havia se pronunciado sobre esta decisão, o governo, “democraticamente”, ameaçava aplicar o texto original, deixando de considerar, portanto, os necessários abrandamentos a tal penalidade, que terá o setor de serviços como vítima principal.

A alteração da Cofins irá representar um aumento anual de R$ 12 bilhões nos tributos pagos pelo setor produtivo. Isto é inadmissível e contraria a essência de uma autêntica reforma tributária, que é diminuir a já brutal carga de impostos sobre a produção.

A reforma da Previdência demonstrou que o partido que fez da oposição uma escolha de vida traiu seus compromissos históricos e discordou de tudo que falou e escreveu. O PT ainda não se acostumou a ser governo, pretendendo também, ter monopólio da oposição e por isso vive crises como as votações das reformas, da lei dos transgênicos, a legislação da Mata Atlântica e com seus ministros.
O espírito do rei de Epiro paira sobre o governo Lula.

Luiz Carlos Hauly é deputado federal, ex-secretário da Fazenda do Paraná e membro das Executivas do PSDB nacional e paranaense.

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