A videoconferência ou interrogatório ?on line?, seus contornos legais e a renovação do processo penal célere e eficaz

A utilização da videoconferência tem suscitado debates acalorados. A primeira experiência nesse sentido teria sido realizada em 27/8/1996(1), na cidade de Campinas/SP.

Em prol do uso de sistemas informatizados para interrogatório à distância pesam fortes argumentos como coibição de fugas e resgate de presos no transporte com escolta policial no trajeto presídio-fórum-presídio, economia para os cofres públicos, realocação de policiais em suas funções primordiais de patrulhamento, inexistência de vedação legal, e o fato de o Código de Processo Penal admitir a realização de qualquer meio de prova não vedado por lei. Critica-se, por outro lado, a falta de contato físico entre réu e juiz e invoca-se o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), pois seria direito do réu preso ser conduzido, pessoalmente, à presença de um juiz.

A alegação de falta de contato físico com o juiz não impressiona, uma vez que o preso em unidade de federação diversa pode ser ouvido por carta precatória, sem ter contato com o juiz da instrução que julgará a ação penal. A Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004) é posterior ao Pacto de San Jose da Costa Rica (Decreto 678, de 6/11/1992(2)), portanto, sobre ela permanece por ser direito interno superveniente. Nesse sentido, o art. 18, item 18 do anexo do Decreto 5.015/2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) dispõe que quando houver necessidade de oitiva por autoridade judicial de uma pessoa de outro país, na qualidade de testemunha ou perito, poderá ser requerida sua audição por videoconferência. Em hipótese diversa, os países podem acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do país requerente, sendo assistida por outra autoridade judicial do país requerido.

Veja-se que o Pacto de San Jose da Costa Rica não é categórico quanto ao interrogatório do preso ser procedido, imprescindivelmente, na presença física do juiz (art. 7.º, itens 5 e 6) e nem elenca tal condição entre as garantias mínimas do artigo 8.º.

O Estatuto de Roma do Tribunal Pleno Internacional admite a produção de provas por meios eletrônicos (artigo 68, n.º 2 e artigo 69, n.º 2), na parte que versa sobre a proteção das vítimas e das testemunhas e sua participação no processo. É o que se infere do artigo 69, n.º 2, que diz ?[…] de igual modo, o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou áudio…?.

A Lei Estadual paulista 11.819/2005(3) e a Lei Estadual fluminense 4.554/2005(4) admitem a oitiva de testemunhas por videoconferência. Em 21/3/2007, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal manteve a redação originária do Projeto de Lei do Senado Federal 139/2006 que havia sido alterado na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei 7.227/2006, que altera o art. 185 do CPP) para permitir o uso da videoconferência para interrogatório de presos e depoimentos de testemunhas, a critério do juiz.

Após um breve apanhado a respeito da legislação federal, estadual e internacional (Convenção de Palermo, adotada por 147 países) e lembrados os argumentos das duas escolas doutrinárias que defendem a implantação ou a supressão da videoconferência (uns propalam a celeridade do ato processual, desde que cientificada a parte e seu patrono, com economia processual e material para o Estado, redução de fugas e maximização da segurança; outros sustentam o sagrado direito constitucional do preso ser interrogado frente a frente com o magistrado), é salutar trazer a debate o recente acórdão proferido pela 2.ª Turma do STF, no Habeas Corpus 86.634, relator Ministro Celso de Mello, impetrado Luiz Fernando da Costa (conhecido como Fernandinho Beira-Mar), publicado em 23/2/2007, que provocou acalorado debate pela sociedade brasileira a respeito dos custos arcados pelo Estado para transporte e segurança do preso para cumprimento da processualística penal.

Segundo veiculado na imprensa(5), a escolta policial referida, com custo aproximado de R$ 30.000,00, ?mobilizou 50 agentes federais, 12 carros, nove motos e um avião?, no que foi nominado pelo Senador Demóstenes Torres (PFL-GO) como ?turismo do Fernandinho Beira-Mar?.

A ementa do acórdão anota que ?O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório?.

Data máxima vênia, a interpretação dada pelo Pretório Excelso traz óbices de difícil contorno à cooperação jurídica internacional e ao combate à criminalidade organizada, pois desconsidera a realidade enfrentada pela nação quanto à falta de recursos e deficiente estrutura material e humana, mostrando-se avessa ao uso da tecnologia que é empregada para simplificar rotinas e agregar segurança nas relações modernas.

O que a sociedade brasileira precisa é de ser informada que enquanto a criminalidade se especializa, se organiza, se articula, corrompe, mata e recorre a todo o tipo de expediente ilegal, o Estado permanece restrito à observância do rigorismo legal e formalidades. Frise-se que a videoconferência permite o atendimento da finalidade constitucional de ampla defesa e acesso do investigado, réu ou condenado ao seu advogado e ao Poder Judiciário.

Diversas autoridades ligadas à segurança pública(6) se manifestaram de forma contrária à transferência do traficante de presídio federal de segurança máxima de Catanduvas/PR para a Superintendência de Polícia Federal no Espírito Santo, em razão de acompanhamento de oitivas a serem realizadas no Rio de Janeiro. Há uma série de princípios que devem ser interpretados em conjunto e sistematicamente como o da eficiência, celeridade, economicidade, segurança pública e valores como vida e patrimônio (risco de fuga, de resgate, acidente no transporte), se o mesmo objetivo pudesse ser alcançado de forma alternativa.

O passeio de dois dias, contabilizadas despesas de transporte aéreo e hangar, diárias de policiais da escolta, manutenção de aeronave foram estimadas entre R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou mais. A pergunta é se o Brasil tem condições de suportar o pagamento da conta do ?cliente?, diante de um quadro preocupante nas áreas de saúde, educação, transporte, investimentos insuficientes na segurança pública, infra-estrutura e energia elétrica, agravada por sucessivos escândalos de corrupção.

O deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ) promoveu levantamento que demonstra que anualmente são gastos R$ 1,4 bilhão com a escolta de criminosos em atendimento às imposições da Justiça. Em apenas um ano, a segurança de traficantes e bandidos superou em 14,5% o total de aplicações do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) realizadas nos últimos seis anos (R$ 1,2 bilhões).

Em 7/3/2007, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL 7.277/2006) originário do Senado Federal que torna regra geral o uso da videoconferência nos interrogatórios e nas audiências judiciais de presos e testemunhas, com participação do juiz, do acusado preso e seu advogado, o que proporcionará economia processual e a liberação de policiais da escolta do transporte do preso para patrulhamento em ruas e proteção da população. Retornando ao Senado Federal, foi aprovado substitutivo do Senador Romeu Tuma. É esse o projeto de lei a que se refere o Deputado Otávio Leite.

A recente Lei 11.419, de 19/12/2006, institucionalizou a informatização do processo judicial (sem especificar se a ação é penal ou civil), ou seja, o processo judicial eletrônico, e promoveu alterações no CPC, com criação de pautas eletrônicas, Diário da Justiça eletrônico, citações, intimações, cartas precatórias e rogatórias e transmissão de petições, tudo por meio eletrônico, e assinatura de procuração digital e assinatura eletrônica por juízes com base em certificado emitido por autoridade certificadora credenciada. Ressalvou, contudo, a citação em ação penal foi excetuada, ou seja, permanece pessoal (art. 6.º).

Portanto, é inevitável a harmonização do processo penal com o processo civil, com a adoção do processo judicial eletrônico, prática reiteradamente adotada pelos juizados especiais, como meio de garantir a celeridade da ação penal e por que não do inquérito policial, inclusive pela adoção da videoconferência.   

Notas:

(1) http://conjur.estadao.com.br/static/ text/30461,1

(2) Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22/11/1969. O Brasil depositou a carta de adesão em 25/09/1992, aprovada pelo Decreto Legislativo 27/1992, e promulgada pelo Decreto 678, de 6/11/1992. A jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi reconhecida com a aprovação pelo Decreto Legislativo 89/1998 e promulgação do Decreto 4.463, de 08/11/2002.

(3) LEI 11.819 de 5 de janeiro de 2005

Dispõe sobre a implantação de aparelhos de videoconferência para interrogatório e audiências de presos à distância, o governador do Estado de São Paulo: Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:

Artigo 1.º – Nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais.

Artigo 2.º – O Poder Executivo regulamentará está lei no prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da sua publicação.

Artigo 3.º – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Artigo 4.º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(4) 02/06/2005.

(5) Correio Braziliense de 22/3/2007, p. 14.

(6) http://noticias.terra.com.br/brasil/ interna/0,,OI1415232-EI316,00.html

    http://voxlibre.blogspot.com/2007/ 03/turismo-de-segurana-mxima.html

    http://www.bonde.com.br/bondenews/bondenewsd.php?id=41&dt= 20070303

    http://www.estadao.com.br/ultimas/ cidades/noticias/2007/mar/03/65.htm

(7) Disponível em: http://contasabertas. uol.com.br. Reportagem de Mariana Bragas de 7/3/2007.

Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal, professor da Academia Nacional de Polícia e pós-graduado em segurança pública e defesa social.

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