A Reforma Tributária

A vida é o bem mais precioso do ser humano, mas a vida sem liberdade não tem qualquer significado, nem dignidade.

O Sistema Tributário Brasileiro é bastante recente e surgiu, na verdade, com a Emenda Constitucional 18, de 1.º de dezembro de 1965, que, no artigo 1.º, delimitou, com cirúrgica precisão, essa área, desenhando sua composição: impostos, taxas e contribuições de melhoria, cimentando-se um sistema uno e nacional. Foi o primeiro movimento sério, com o objetivo de sanar a caótica estrutura tributária e os defeitos da Constituição de 1946 e ordenar as diversas competências, produzindo significativas inovações, com conceitos doutrinários novos, agasalhando uma classificação de imposto, calçada em nomenclatura econômica, e conciliando as diversas aspirações e tendências das variadas esferas de poder do Estado Brasileiro, em obediência às lições de Rubens Gomes de Sousa. Neste diploma maior, abeberou-se o legislador do Código Tributário Nacional. Constituiu-se, na palavra sábia de Bernardo Ribeiro de Moraes, em verdadeira e histórica reforma tributária, substantiva, não meramente formal.

O atual Sistema, incrustado, nos artigos 145 a 156 da Constituição de 1988, fugiu do excelente projeto elaborado por notáveis juristas, na subcomissão de tributos, remanescendo totalmente desfigurado na Comissão de Sistematização, durante a Constituinte, e plasma-se em uma substancial complexidade e iterativa alteração dos textos, que provoca custos altíssimos e ruinosos, quer para o Fisco, quer para o contribuinte, com propensão para a sonegação e a fatal inadimplência, como forma de sobrevivência.

A reforma do Estado e a tributária fazem-se, pois, necessárias, para recompor o sistema, e conformá-lo com o pensamento moderno de um Estado enxuto, mas não guloso e voraz. O Texto vigente se, de um lado, revolucionou o Sistema Tributário, ao conceder aos Estados federados uma soma de impostos, que a União acabou por perder, todavia, recebeu esta, generosamente, entre outros, o imposto sobre grandes fortunas, que sequer regulamentou, e, desgraçadamente, vem criando outros tributos, dentre os quais se distingue o CPMF, que, de provisório, está-se tornando definitivo, o verdadeiro salvador das grandes tragédias, mas que, na verdade, é mais um entre tantos tributos e encargos, que engrossam a carga tributária do sofrido povo brasileiro, demonstrando, inequivocamente, a falência do Estado e a falta de imaginação e sensibilidade dos estadistas ou, paradoxalmente, sua extremada afinidade com o comodismo condenável de resolverem-se os grandes problemas nacionais com a indiscriminada criação desses saborosos instrumentos de sacrifício da sociedade. Ou, como alerta, com muita sagacidade, o jurista Ives Gandra Martins, “muito tributo para nada.”

As reformas devem acontecer, sem dúvida, preservando-se os direitos e garantias fundamentais, conquistados a duras penas, em séculos de civilização, tendo os governantes a obrigação de zelar por eles e não destruí-los. Nada justifica seu esmigalha mento em nome da boa causa ou por razões de Estado, tão comum nos Estados totalitários, de saudosa memória. A verdadeira justiça tributária consiste em cobrar tributos de todos, não apenas de alguns, sempre com moderação e respeito às citadas diretrizes.

O ex Ministro da Fazenda, Ernane Galvêas adverte, com razão, que a carga tributária no Brasil é perversamente elevada, chegando a 50%, porque só a metade paga imposto, já que nem o Governo nem o setor informal pagam. E, acrescentamos, grassa a sonegação, devido à desordenada e elevada carga tributária e onerosa máquina administrativa.

No Brasil, contrariando a melhor doutrina, a Constituição atual, em apenas nove anos de infrutífera vida, já foi emendada 22 vezes, com outras tantas emendas em gestação, quatro das quais versando sobre matéria tributária ou financeira, com a instituição de tributos ou encargos, enquanto que a Constituição dos Estados Unidos, em duzentos e dez anos de vigência, mereceu apenas vinte e seis emendas, o que demonstra a maturidade e a dignidade desse povo e a firmeza da Lei Máxima. Aqui, o eterno descompasso entre a realidade ideal e o oportunismo momentâneo. Por outro lado, as medidas provisórias, instrumento excepcional necessário, se, rigorosamente, urgente e relevante for a matéria, inclusive a tributária, transformou-se na espada de Dámocles, com sua diuturna presença, gerando total insegurança aos súditos e às autoridades incumbidas de aplicar a lei.

O sistema atual alicerça-se em quatro princípios gerais, que definem as espécies tributárias, determina a unicidade do sistema e delimita a capacidade contributiva.

Um sistema que se preze deve fundar-se na simplicidade. Este é um princípio de fundamental significação, com a redução do ônus administrativo do governo e do custo administrativo do contribuinte.

Diminuir e não elevar a carga tributária.

Este propósito, porém, não parece ser do agrado dos reformadores de qualquer época!

Não se há de olvidar, ainda, que qualquer reforma fiscal deverá obrigatoriamente ter em vista o Mercosul, realidade a que se não pode furtar o legislador do nascente Século XXI, dada a interpenetração dos blocos regionais, com o que este deve estar atento às exigências desta nova construção político – institucional. Esse fenômeno não é virgem no Mercado Comum Europeu e em outros blocos econômicos, que se vêm adaptando facilmente ao novo contexto.

O Substitutivo do Deputado Mussa Demes, à Proposta de Emenda Constitucional 175/95, altera o capítulo do Sistema Tributário Nacional, importando em excessiva concentração das competências impositivas em favor da União, agredindo mais ainda o já cambaleado pacto federativo.

Seguramente, não interpreta os anseios de um sistema mais sóbrio e enxuto, com menor número de tributos e diminuição da carga fiscal, redução da despesa e aperfeiçoamento da estrutura do Estado, objetivando uma efetiva justiça tributária. Incide no mesmo erro do insuportável sistema vigente e já superado, sendo incapaz de arrebentar as amarras desse pesadelo, que merece profunda reformação, com fonte na Emenda 18/65, adaptada ao universo de hoje, num quadro de modernidade e visão do futuro.

Leon Frejda Szklarowsky

é advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, juiz da American Arbitration Association e conselheiro da Câmara de Arbitragem da Associação Comercial do Distrito Federal.

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