A realização de assembléia ou reunião anual de sócios nas sociedades limitadas: obrigatoriedade, não cumprimento, conseqüências e outros apontamentos

As novas disposições legais contidas no Código Civil Brasileiro (Lei n.º 10.406/2002), notadamente no que tange ao Direito de Empresa, vêm ensejando dúvidas e, conseqüentemente, o surgimento de questionamentos que trazem insegurança aos empresários, em relação à observação e o cumprimento destas novas regras.

Um dos questionamentos que ganhou relevância nos últimos meses, diz respeito à obrigatoriedade da realização de reunião ou assembléia de sócios para as sociedades limitadas, que teria como objetivo principal a deliberação sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico, a teor do inciso I, de seu art. 1.078.

Sobre este tema, vários doutrinadores e estudiosos do Direito, amparados neste dispositivo legal, concluem pela obrigatoriedade de realização, independentemente do número de sócios que compõe o quadro societário da limitada.

Permitimo-nos, no entanto, a partir de uma interpretação literária e sistemática, discordar desta conclusão, especificamente para as empresas com menos de 10 sócios.

Dispõe o art. 1.078, caput, do Código Civil:

“a assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social (…)”.

Primeiramente, destaca-se o aspecto de que o legislador refere-se claramente à realização de assembléia, e silencia quanto à reunião. Deflui-se, portanto, que o legislador quis se reportar às sociedades que possuem mais de 10 (dez) sócios (art. 1.072, § 1.º, do Código Civil).

Segundo aspecto: em razão do emprego do termo deve, é imperioso concluir que se trata de uma obrigação, e por esta razão, os sócios deverão cumpri-la.

Terceiro aspecto: como as sociedades, via de regra, faz coincidir o ano civil com o término do exercício social, a assembléia, ocorrerá anualmente e, obrigatoriamente, até o dia 30 de abril.

Poder-se-ia questionar acerca da aplicabilidade do parágrafo 3.º, do art. 1.072, que preceitua:

“Art. 1.072 – As deliberações dos sócios, (…) serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto em contrato social (…)” § 3.º A reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”.

Entendemos que este dispositivo é inaplicável, pois quando o legislador refere-se, neste parágrafo, à dispensa da realização de assembléia, o faz, tendo como foco as assembléias ordinárias e extraordinárias em geral, tendo claramente excetuado aos sócios esta faculdade quando se tratar da assembléia que tomará contas dos administradores, e deliberará sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico, pois não faria sentido o legislador prever a obrigatoriedade da realização de assembléia, pelo menos uma vez por ano, conforme dispõe o art. 1.078, e, ao mesmo tempo, facultar aos sócios a dispensa de sua realização.

Justifica-se também, em grande medida, a preocupação do legislador em estabelecer a necessidade de realização da assembléia que tomará contas dos administradores, e deliberará sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico, em virtude do contido no parágrafo 3.º deste mesmo artigo (1.078), que prevê a exoneração de responsabilidade dos membros da administração e os do conselho fiscal – se houver – pela aprovação, sem reservas, do balanço patrimonial e do resultado econômico.

Pode-se afirmar assim que, em se tratando de sociedades limitadas (simples ou empresárias), com mais de 10 (dez) sócios, a realização da Assembléia, dentro do primeiro quadrimestre de cada ano, é obrigatória.

E as sociedades limitadas (simples ou empresárias) que possuem menos de 10 (dez) sócios – o que é a esmagadora maioria – são obrigadas, em reunião, a tomar contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico?

Em princípio, a teor do art. 1.078 do Código Civil, não há esta obrigatoriedade; porém, se, e somente se, houver previsão expressa no contrato social sobre a possibilidade de dispensa da realização de quaisquer reuniões, inclusive a anual – prevista no art. 1.078. Dessa maneira, estariam os sócios dispensados da obrigação de realizar a reunião, em perfeita consonância com o disposto no § 3.º, do art. 1.072 – que deve estar previsto no contrato social.

No entanto, os sócios não poderão eximir-se de deliberar por escrito sobre a tomada de contas, sobre o balanço patrimonial e de resultado econômico, levando, posteriormente esta deliberação a registro, através de ata ou de outro documento que a substitua (art. 1.072, § 3.º).

Contudo, se o contrato social nada dispuser em contrário, ou simplesmente for omisso, quanto à reunião anual, sua realização, com fundamento no art. 1.079 do Código Civil, será obrigatória.

Abrindo um pequeno parêntesis: salientamos que é altamente recomendável que o contrato social preveja expressamente a opção dos sócios pela reunião para as deliberações sociais. A omissão no contrato social, por si só, pode não implicar na obrigatoriedade de que as deliberações sejam tomadas em assembléia, mas podem dar causa a eventuais questionamentos, impugnações, ou até mesmo pode servir de pretexto para alimentar divergências internas.

Conclui-se, portanto, que no dia 30 de abril de 2004 (última sexta-feira), expirou o prazo para que as sociedades limitadas cumprissem a obrigação de realizar a assembléia ou reunião, independentemente, da discussão sobre a obrigatoriedade para aquelas com menos de 10 sócios.

Como conseqüência disso, pergunta-se: e se os sócios não cumpriram esta obrigação, seja pelo fato de entenderem-na dispensável, ou seja, pelo fato de ainda não terem adaptado o contrato social às novas regras (o prazo foi prorrogado, e vence em janeiro de 2005)?

Primeiramente, num e noutro caso, os sócios não encontrarão amparo legal algum para o seu descumprimento. De outro lado, objetivamente, o Código Civil não prevê a aplicação de nenhuma penalidade.

No entanto, não restam dúvidas que este descumprimento implicará em efeitos concretos no que tange à responsabilidade civil dos administradores e dos sócios, uma vez que as regras relacionadas a este instituto estão em pleno vigor e aplicam-se às sociedades limitadas, o que certamente trará enormes complicações ao bom desenvolvimento da atividade societária.

Dessa forma, a realização da reunião ou assembléia anual dos sócios para aprovação das contas da administração é indispensável para a exoneração da responsabilidade dos administradores, inclusive, nas sociedades que ainda não se adaptaram as regras do Código Civil.

Ao largo de tais conclusões e de certa forma diretamente ligadas ao assunto, gostaríamos de finalizar, ressaltando alguns aspectos que também podem dar ensejo a dúvidas, mas que podem e devem ser afastadas de plano, a partir das seguintes afirmativas:

a) não existe qualquer disposição legal que determine a necessidade/obrigatoriedade da publicação ou do registro do balanço patrimonial e das demonstrações de resultado, seja pelas sociedades simples, seja pelas sociedades `empresárias’ limitadas. Mas, no que tange a ata de assembléia ou reunião, esta deverá ser levada a registro.

b) o Código Civil não alterou as disposições relativas à Lei das Sociedades Anônimas, permanecendo, portanto, as mesmas regras anteriormente vigentes aplicáveis às sociedades que adotam este tipo societário (Lei n.º 6.404/76).

c) as regras de dispensa de formalidades para a convocação contida no § 2.º, do art. 1.072, aplicam-se às sociedades que deliberem assuntos sociais seja em assembléia, seja em reunião. Importante que também haja previsão expressa no contrato social no que concerne a este aspecto.

Paulo José Mahlow Tricárico

é pós-graduando em Direito Empresarial pela PUCPR.
paulo@sescap-pr.org.br

Alysson Henrique de Souza

é pós-graduando em Direito Empresarial pela PUCPR. alysson@calixtoclaro.com.br

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