A quebra do devedor e os convênios permitidos no Chile – II

Quanto aos convênios, na lei chilena, verifica-se que são de duas modalidades: extrajudicial ou judicial. Aquele se refere a possibilidade de o devedor, antes da decretação da quebra, assinar um pacto com os credores. Tal negociação deve ser aceita pela unanimidade de credores; caberá ao devedor apresentar uma exposição do estado de seus negócios, em conformidade com o balancete, bem como, de acordo com o inventário, a valoração de ativo e passivo, dentre outras obrigações. No convênio poderá acordar-se que o devedor ficará sujeito a intervenção, e designar-se para desempenho da função um dos síndicos que constem da lista nacional, ou outra pessoa indicada.

Qualquer credor poderá solicitar que se declare nulo o convênio, provando que é falso ou incompleto o balancete; ou o inventário, que deram azo às negociações. Também terá força de argumentação a suspeita quanto às dívidas constantes do passivo, bem como o devedor tenha ocultado bens de seu ativo. O credor que tenha sido omitido do convênio extrajudicial poderá aceitá-lo e exigir que se cumpra a seu favor, ou exercitar seus direitos, como se aquele inexistisse.

No que se refere ao convênio judicial, poderá ser preventivo ou simplesmente judicial, conforme lei. O judicial preventivo é o que se propõe antes da decretação da quebra, e o simplesmente judicial é o que se pede durante referido processo (seria como ocorre com a concordata suspensiva da legislação brasileira -Dec.-Lei 7.661/45). A proposição de uma ou outra forma de convênio deverá ser discutida e aprovada pela junta de credores, e a que for aceita de outro modo, não terá valor algum, salvo o disposto em relação ao convênio extrajudicial. Interessante notar que o falido ou mesmo qualquer credor poderão fazer proposições de convênio em qualquer estágio da quebra. Porém, para que se possa deliberar a respeito, é necessário que concorram alguns requisitos, tais como a apresentação, pelo síndico, da lista nominativa de credores reconhecidos; que não tenha havido condenação por quebra fraudulenta ou outro delito. Apresentada a proposição de convênio e a lista nominativa de credores, a junta deverá se pronunciar a respeito do pedido, que deverá ocorrer até a próxima reunião.

Poderá também o devedor fazer proposições de convênio antes da declaração judicial da quebra (que se parece com a nossa concordata preventiva, estabelecida pelo Dec.-Lei 7.661/45), sempre que não esteja ele falido ou condenado por algum delito, a não ser que tenha cumprido sua pena. A proposição será apresentada perante o tribunal competente para declarar a quebra, acompanhada da relação de bens, demandas pendentes, entre outras. Cumpridas as determinações legais, o tribunal deliberará que o devedor ficará sujeito a intervenção de um síndico (conforme a relação nacional, já comentada). Designar-se-á um síndico titular e um suplente, cabendo àquele informar ao tribunal sobre as proposições de convênio, dentro do prazo máximo de trinta dias, dentre outras deliberações judiciais. Caberá aos credores formarem a junta a fim de que delibere a respeito da proposição de convênio. No caso de se aprovar o convênio judicial preventivo, caberá ao síndico aceitar, ou não, o encargo. Ao contrário do nosso artigo 50 da Lei 11.101/05, que apresenta um rosário de ?sugestões? para que se tente a recuperação judicial do devedor, e que na prática poderão ocorrer por força do próprio mercado no qual atua a entidade, a lei chilena é bem mais simples. A proposição de convênio, naquele país, pode versar sobre a remissão de dívidas; ampliação de prazo para pagamento; ?abandono? total ou parcial dos ativos do devedor; continuação da atividade produtiva ou mesmo ?sobre qualquer outro objeto lícito?. Ou seja, no Chile o legislador optou por deixar nas mão do devedor o dever de apresentar outra forma lícita, obviamente, de soerguimento. Essa forma, tal como aqui, pode ser encontrada no próprio mercado no qual atua o devedor. Em qualquer uma das hipóteses aventadas, o convênio será o mesmo para todos os credores, a menos que exista acordo unânime em contrário. Mais simples, não?

Porém, só os credores que tiverem seus nomes relacionados terão direito de voto. Aqueles cuja legitimidade e valores estive sendo objeto de discussão, poderão ser admitidos a votar regularmente, e só para tal efeito, desde que o tribunal ouça o síndico, o falido e demais credores, na mesma audiência. No convênio poderá ser estipulada a constituição de garantias para assegurar o cumprimento das obrigações pelo devedor assumidas. A garantia poderá estar descrita no mesmo convênio ou em instrumento separado. Será considerado aceito o convênio quando com consentimento do falido e reúna em seu favor os votos de dois terços ou mais dos credores concorrentes, que representem as três quartas partes do total do passivo com direito de voto, excluídos os credores privilegiados, hipotecários, ?prendarios? e os que gozem de direito de retenção, sempre que tais pessoas não hajam tomado parte do convênio. Poderá haver impugnação do convênio por qualquer credor que não tenha participado da junta, ou que tenha dissentido do voto da maioria. Acolhido o convênio, cessará o estado de quebra e serão devidos ao devedor todos os bens e documentos, sem prejuízo das restrições estabelecidas no convênio (tal situação ocorre também na lei brasileira de 1945).

Carlos Roberto Claro é professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; membro do ?American Bankruptcy Institute?.

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