A negociação e a reforma trabalhista-sindical

A proposta de negociação nacional sob liderança do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, formulada pela Central Única dos Trabalhadores e “com a participação das entidades re-presentativas do movimento sindical, empresários e setores sociais que desejam ver garantido o desenvolvimento sustentável do país”, como acentuou o presidente da CUT Luis Marinho, reaviva a questão da atualidade da interligação da reforma trabalhista-sindical e do pacto social. Este um dos pontos vitais a serem enfrentados pós o quadro político-eleitoral a ser definido até 31 de outubro.

Possibilidade do Pacto Social – Exatamente um dos pontos mais sensíveis refere-se à possibilidade de um pacto social, maduro o país para esse objetivo, eis que: 1) as relações capital e trabalho estão em estágio avançado no desenvolvimento do capitalismo local; 2) há organizações e dirigentes sociais e sindicais capazes ao diálogo; 3) o momento de afirmação democrática é um dos mais profundos já vividos pela nossa sociedade; 4) os graves problemas econômicos e sociais nos impelem a soluções consensuais imediatas; 5) O Presidente Lula quer esse pacto. As dificuldades iniciais estão situadas: a) na inexistência, ainda, de pontos claros a serem atacados de imediato; b) quem são os interlocutores principais; c) a persistência de disputas menores em detrimento da necessidade de acordos nas questões centrais econômicas e sociais; d) instrumentos organizativos mais precisos para intermediar o diálogo; e) as grandes carências sociais e as diferenças regionais.

Organização empresarial e sindical – Para fazer avançar a possibilidade desse pacto social, há necessidade do governo se apoiar na organização empresarial e sindical. O movimento sindical dos empregados e dos empregadores detém um dos sistemas organizativos melhor formatados em nosso país. A principal organização no campo social é a empresa, seguida pelas organizações sindicais. Há empresários e dirigentes sindicais experientes, testados nas lutas e nas contradições econômicas e sociais, conhecedores dos principais problemas do empresariado e da classe trabalhadora. Assim, as organizações empresariais e o movimento sindical deverão ter participação efetiva nos projetos do governo, não ficando na expectativa de serem acionados, mais, ao contrário, de se constituírem em agentes ativos e definidores das mudanças necessárias. Ainda mais: o combate ao desemprego, à exclusão social, à fome e outros pontos essenciais para a redefinição de nosso país socialmente, são metas que as empresas e o movimento sindical podem fixar como suas prioridades e, neste sentido, reforçar a programática de governo.

Ampliar o Fórum Nacional do Trabalho – O debate no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho é um dos caminhos para consensuar o movimento sindical em torno de propostas básicas, mas por si só não será a solução para as questões enfrentadas no mundo do trabalho e do capital. A estratégia para enfrentamento das reformas da legislação trabalhista indica um marco inicial: determinar quais as questões consensuais e quais as divergentes entre capital e trabalho. O Fórum poderá ajudar em se conseguir a clareza necessária quanto ao que se deve manter e o que se deve mudar, segundo prioridades efetivas, sem o que pouco avançaremos nas mudanças pretendidas. Deve, ainda, ser precisado o papel do Fórum e o papel do Conselho Consultivo e Econômico e Social, para que estas duas formas organizativas venham a trabalhar de modo integrado e complementar. O Fórum deve ter sua composição ampliada, para ser equilibrada a representação do governo, do Parlamento, de todos os segmentos das organizações sindicais empresariais e do trabalho, dos advogados, magistrados e procuradores do trabalho, servidores públicos. O critério será sempre o da representatividade de cada setor, mas sem excluir nenhum segmento. Somente uma composição democrática e aberta permitirá que o Fórum possa ser um instrumento útil ao país.

Legislação do Trabalho e a luta contra a flexibilização – Discute-se muito hoje sobre mudança na legislação do trabalho, como forma de flexibilizar os direitos e criar as condições para a regularização do trabalho informal, especialmente com a desoneração da folha de salário. Por trabalho informal entenda-se o trabalho sem a observância das regras mínimas de sua proteção constitucional e legal. Não existe a fraude apenas porque o encargo social é elevado, mas pela impunidade dos que descumprem da norma legal e abusam do ser humano. A desoneração do trabalho, do ponto de vista fiscal, por si só será inócua, pois a legislação de garantia do trabalhador deve ser observada rigorosamente. Medidas iniciais têm sido sugeridas,como: a) a desoneração fiscal parcial; b) registro de todo e qualquer trabalhador subordinado a quem dele aproveitar o trabalho; c) manutenção dos encargos mínimos de previdência e seguro de acidente do trabalho; d) obrigatoriedade de acordo e/ou convenção coletiva de trabalho normatizando todos os setores econômicos; e) ao mesmo tempo, fixar o limite da aplicação dessa norma legal diferenciada, ou seja, a que setor econômico aproveita, a que empreendimentos e atividades. Ainda no que concerne a uma reforma da legislação do trabalho ela pode ser iniciada com a aplicação das medidas acima sugeridas, acrescentando-se a necessidade de: a) fixar um sistema efetivo de acompanhamento, esclarecimento e fiscalização para o cumprimento da lei; b) profunda mudança no sistema processual do trabalho, reorganização da Justiça do Trabalho e sua modernização; c) fortalecimento das instâncias de orientação e mediação do Ministério do Trabalho e da Procuradoria do Trabalho, efetivação das normas constitucionais por lei complementar.

Organização sindical, sistema da unicidade e centrais – São necessárias medidas que viabilizem a reforma da legislação sindical sem cair na pulverização da organização sindical, com seu conseqüente enfraquecimento. Para a reforma sindical poderiam ser adotadas os seguintes encaminhamentos: 1) imediata legalização das centrais sindicais para que possam ser incluídas no sistema de unicidade sindical brasileiro; 2) imediata organização sindical nos locais de trabalho sob controle das atuais entidades sindicais; 3) imediata regulamentação para criação de novas entidades sindicais sob controle conjunto do governo e organização sindical econômica e profissional; 4) estabelecer uma pauta de pontos consensuais e divergentes que possibilitem o avanço do diálogo entre as organizações sindicais de trabalhadores e destas com o setor empresarial. Quanto a organização sindical brasileira, virou moda dizer que se trata de um movimento fraco, tendo como parâmetro países da Europa e os Estados Unidos da América do Norte. Vale rechaçar tal assertiva, eis que o movimento sindical brasileiro de trabalhadores e de empregadores é um dos mais bem organizados em todo o mundo, a saber: a) tem abrangência em todos os setores econômicos e profissionais, portanto de cem por cento de representação, pelo sistema constitucional da unicidade sindical; b) tem sustentação constitucional e legal; c) tem base em um amplo sistema de acordos e convenções coletivas de trabalho; d) possui uma base política de representação nos Parlamentos; e) tem base material e patrimonial extensa e contínua; f) tem um sistema de assistência jurídica e social amplo; g) possui reconhecimento e respeito social; h) tem estruturação internacional, face a filiação às principais organizações internacionais; i) o dirigente sindical empregado possui estabilidade no emprego garantida constitucionalmente. Algumas das fragilidades existentes no movimento sindical dos trabalhadores decorrem de vícios estruturais a serem superados: a) inexistência de organização sindical no local de trabalho sob controle das atuais entidades sindicais; b) incapacidade das principais entidades estabelecerem um plano de luta e de trabalho comum que reflita as reivindicações de toda a classe trabalhadora; c) baixo índice de sindicalização em alguns setores; d) fragmentação corporativista; e) debilidades financeiras em muitas entidades.

A efetividade do Direito do Trabalho – Finalmente, devemos examinar nosso modelo de Direito do Trabalho, muitas vezes atacado como ultrapassado e impeditivo de avanços nos campos econômico e social. No Brasil existem, como fontes do Direito do Trabalho, as normas internacionais das Convenções da OIT aprovadas pelo Brasil, a Constituição Federal de 1988, a Lei e seus Regulamentos, os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, as Sentenças Normativas e a Jurisprudência dos Tribunais do Trabalho. Se a aplicação desse universo protetivo fosse eficiente, muitos de nossos males deixariam de existir. Ou seja, não será pela geração do Direito que poderemos apontar nossa debilidade. Pelo contrário: em nosso país temos um Direito do Trabalho evoluído, nos falta é a instrumentalização para sua efetividade. A democracia representativa se tornou insuficiente, exige-se a democracia participativa. Ser cidadão está assegurado constitucionalmente, mas o tornar-se cidadão depende de um longo caminho de lutas a ser percorrido. Por isso, é atual a questão da reforma trabalhista e muito mais a da necessidade de uma ampla negociação nacional pós-eleições municipais.

Edésio Passos

(edesiopassos@terra.com.br) é advogado, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores, integrante do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas e do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, membro da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego e ex-deputado federal (PT/PR).

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