A não aplicação da nova Lei de Falências às ações trabalhistas e aos contratos de trabalho em curso

O termo "privilégio" repugna, mesmo quando se trata de uma questão social. Os créditos trabalhistas, todavia, "foram retirados do mercado, pela sociedade civil, e levados ao espaço da cidadania, com características gerais e universais, ou seja, como direitos humanos fundamentais …" Vem daí a "a sua diferenciação e o seu superprivilégio" (CASTELO, Jorge Pinheiro. A nova lei de falência: porque os querem intervenção estatal protetiva? Revista LTr, São Paulo, v. 68, n.º 08, p. 913).

Com a nova Lei de Falências (NLF – Lei n.º 11.101/2005), surge a questão da sua aplicação sobre os processos e contratos trabalhistas em curso. A NLF (art. 192) prevê a sua inaplicabilidade para todos os de falência e concordata ajuizados anteriormente.

A primeira constatação, derivada da literalidade, implica concluir claramente que as novidades não se aplicam aos créditos trabalhistas habilitados antes da vigência da NLF.

Para as ações trabalhistas já tramitando, com falência decretada após a NLF, a melhor solução (à luz da natureza do crédito trabalhista) é considerar o processo iniciado quando do ajuizamento da ação trabalhista, propriamente dita – e não do ajuizamento da falência.

Primeiro, temos de considerar a execução no Processo do Trabalho é mera fase do processo de conhecimento, já que pode ser iniciada ex officio pelo Juízo (art. 878, da CLT).

Segundo, a tutela do trabalho está fundada no Princípio Protetivo e quando o aplicador do direito constatar a criação de um status jurídico mais gravoso para o trabalhador, deve aplicar de maneira ultra-ativa da lei anterior, até onde ela seja possível.

O sistema concursal deve adaptar-se à natureza particular do crédito trabalhista, considerando a pretensão trabalhista e não a pretensão concursal.

A CLT, quando trata do das omissões legislativas (art. 796), fixa a aplicação do direito processual comum – que não se restringe só ao CPC ou ao Processo Civil.

Dessa forma, aplica-se o Processo Penal para suprir a lacuna: a Constituição (art. 5.º, inc. XL) proíbe a retroatividade da lei penal, salvo se mais benéfica para o réu. Temos, em benefício do réu uma ultratividade in melius, protegendo o réu, da mesma forma que o Processo do Trabalho deve proteger o trabalhador.

A conclusão é ampliadora e a NLF – salvo eventual benefício excepcional – não se aplica aos créditos trabalhistas, cujas ações trabalhistas já estiverem em curso.

Quanto aos salários, a aquisição do direito ao crédito está sujeita ao princípio da pós-numeração, definindo que "o salário deve ser pago ao fim de cada período determinado de vigência do contrato de trabalho" (BERNARDES, Hugo Gueiros. Direito do trabalho, LTr, 1989, p. 227). Assim, o direito ao crédito salarial nasce após a prestação de serviços no período fixado no art. 459, da CLT: quinto dia útil do mês subseqüente.

Ou seja, o trabalhador, após haver trabalhado por um mês, adquire direito ao salário no quinto dia útil posterior – tanto é assim, que é exigível em juízo após essa data.

Esse direito foi adquirido com uma qualidade complementar (art. 449, § 1.º, da CLT): o privilégio absoluto, em caso de insolvência do empregador. A retroatividade de lei nova é vedada pela Constituição (art. 5.º, inc. XXXV), quando atingir direito adquirido.

Assim, viola a Constituição a interpretação que restrinja o pagamento de direitos trabalhistas adquiridos dos salários com teto de 150SM e todas as outras limitações da NLF.

CONCLUSÕES

As inovações da NLF sobre salários (ex.: teto de 150 SM por reclamante ou sujeição à recuperação judicial) admitem duas linhas de afirmação:

Pela literalidade do texto legal, a NLF não se aplica aos créditos trabalhistas já habilitados na massa falida.

Pela natureza do crédito trabalhista, a NLF não se aplica aos contratos de trabalho em curso, cujos salários são exigíveis antes da sua vigência; e aos processos trabalhistas ajuizados antes da sua vigência.

Célio Horst Waldraff é doutor em Direito pela UFPR. Juiz do Tribunal do Trabalho do Paraná. Professor. Autor do Livro A Nova Lei de Falências e o Direito do Trabalho (Questões Práticas), da Editora Genesis.

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