À margem do mundo

Goste-se ou não, o tal do “atentado poético” tomou conta do mundo na última quinta-feira. Numa tentativa quase chapliniana de reverter o significado do 11 de setembro, indelevelmente marcado pelos ataques aos Estados Unidos em 2001 e pelo golpe no Chile em 1973, “ativistas” estimulados por uma corrente da internet abandonaram livros com dedicatórias aos que os encontrassem em lugares públicos.

Milhares de livros, bons e ruins, circularam por Nova York, Bruxelas, Paris, Florença, São Francisco, São Paulo e até Foz do Iguaçu, entre muitas outras cidades ao redor do mundo. Só a impávida Curitiba parece ter ficado de fora. Certamente um ou outro entusiasta, ciente do movimento global, deixou algum título numa estação-tubo, num café ou num banco da Rua XV.

Mas, com a notória característica da gente curitibana, de “não se meter com a vida dos outros”, é bem capaz que o livro fique dias a fio no mesmo lugar, até ser deteriorado pelo temperamental clima da capital das araucárias. Nos sofisticados cafés do centro, é quase certo que os títulos já tenham sido incorporados aos acervos de publicações e revistas. Já no tubo, é provável que o simpático cobrador tenha se apressado em devolver a publicação ao dono distraído.

O fato é que a repercussão da campanha por estas plagas foi quase imperceptível. Ressalva feita ao nosso bravo Dante Mendonça, que em sua coluna de quarta-feira conclamou-nos a liberar nossos livros. Eu mesmo saí de casa atrasado e esqueci completamente da parte que me cabia neste atentado. Tampouco encontrei livro algum. Parece muito pouco para a terra que viu germinar e florescer gente como Dalton Trevisan e Paulo Leminski, ou serviu de exílio voluntário aos Cristóvão Tezza e Wilson Bueno da vida.

Ainda que não seja uma unanimidade, que se corra o risco de topar com abomináveis obras de auto-ajuda, compilações de poetas iniciantes, tratados inexpugnáveis ou publicações religiosas doutrinárias, o Libere um Livro é uma campanha no mínimo útil, pelo simples fato de despertar o interesse pela leitura. E não precisa se restringir ao 11 de setembro, uma vez que o site www.bookcrossing.com já há algum tempo vem estimulando o intercâmbio. E o site ainda traz uma versão sofisticada da campanha, em que se pedem dedicatórias que permitam acompanhar o trajeto de cada obra.

Já em Curitiba, o problema é que se trata de uma manifestação espontânea. E é particularmente difícil ser espontâneo em Curitiba. Sem falar que, sem a griffe da Fundação Cultural de Curitiba, da Calvin Entretenimento ou do Centro Cultural Teatro Guaíra, nenhum evento na seara cultural deve ser sério. Aguardemos, pois, pela edição deste ano do Perhappiness, que começa segunda-feira, com grandes atrações nacionais e internacionais. De Paulo Leminski, só o pretexto. Mas pelo menos é oficial.

Luigi Poniwass (luigi@oestadodoparana.com.br) é editor do Almanaque em O Estado.

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