A luta continua, a obra permanece: Fachin no STF

Exatamente em 1.º de janeiro de 2006 publicamos neste caderno o artigo ?Oração a Fachin (no STF)?. Naquele opúsculo arrostamos sobejamente – e aqui não iremos repetir em desafortunado circunlóquio -, as inexcedíveis vantagens de se ter um jurista da envergadura humanística e quilate profissional do professor-doutor Luiz Edson Fachin, para muitos o maior civilista hoje em atividade no país, a fim de que o mesmo venha a ter efetivo assento na mais Alta Casa de Justiça existente na nossa já tão combalida, de lustro-secular, porém esplêndida República Federativa do Brasil.

O que me leva a retomar o assunto – e aí não posso deixar de expressar a minha inefável confiança – , é de que está muito próximo de se concretizar esse sonho, fruto de legítima e unânime aspiração coletiva da sociedade civil organizada no Estado do Paraná, e por que não dizer, de grande parte da comunidade jurídica brasileira consciente e mobilizada em prol de um Direito mais justo, ideário pós-positivisma libertário da sufocante e puritana dogmática de outros e já passados tempos (embora, em algumas situações do cotidiano dos que militam na senda judiciária, estejamos ainda hesitantes diante de um paradoxo entre dois mundos: aquele da ultrapassada senão falecida cultura jurídica das gerações que se aferraram à dogmática como um fim em si mesma, esse insistindo a toda hora em ressuscitar; e outro, ainda tentando amiúde nascer, de práxis e hermenêutica efetivas consagradoras de uma Justiça Social, esta como corolário da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, fim último do Direito e por que não dizer da existência do próprio Estado Democrático em relação à cidadania, aliás, pilar fundamental fundamental da nossa Carta Constitucional promulgada em 1988.

Jogo de forças políticas

Note-se, a indicação presidencial ao STF de um jurista paranaense, não se pode olvidar jamais esse fato, será resultado de um poderoso e articulado jogo de forças políticas, retrato de um quadro nacional de conjunturas multifacetadas, pois como se sabe, se o próprio Direito é um espaço de luta, espaço no cenário nacional conquista-se também à custa de muito e organizado trabalho de bastidores, desde que, obviamente, respeitados os pressupostos éticos indispensáveis à legitimação da candidatura alvitrada (ou seja, não será preciso ?derrubar? ou desmerecer quaisquer pessoas ou entidades/instituições para que se possa conquistar um legítimo objetivo).

Nós, paranaenses, e sobretudo aqueles que militam na seara jurídica, temos de ter esperança, sentimento esse que, no coração dos idealistas, nunca desvanecerá. Sendo assim, doravante, cabe-nos manter acesa essa chama. A hora é agora, de mais e mais união em torno da candidatura sustentada. Com efeito, no tocante à manutenção da candidatura do Prof. Fachin, sempre e tanto impende reafirmá-la, pelo que a luta continua e a obra permanece … estado de mobilização em caráter permanente é a postura-chave para que o objetivo, ansiado por toda a comunidade paranaense, torne-se de fato realidade.

Um candidato do Brasil

Fachin permanece candidato a uma futura vaga no STF não somente pelo Estado do Paraná (unidade federada a qual, por óbvio, ver-se-ia, daí, contemplada com justiça ao se concretizar a indicação presidencial, haja vista a sua inenarrável importância no cenário nacional), mas sobretudo Fachin é um candidato do e pelo Brasil. Arquétipo de Jurista da Democracia, de um Direito Plural, mais próximo do ser humano e em sintonia com a sociedade globalmente considerada, ou seja, pessoa de bem que estará sempre, sempre mesmo e inteiramente, a serviço do povo brasileiro. Nessa ordem de idéias, impende tecer algumas considerações que entendemos apropriadas para o momento histórico ora vivenciado. Sendo assim, insta trazer à colação as lapidares assertivas do eminente então promotor de Justiça na Comarca de Caxias do Sul/RS, Dr. Mauro Rocha de Porchetto, curador da defesa comunitária, que assim expendeu introdutoriamente no bojo de Ação Civil Pública intentada pelo parquet estadual (temário versando sobre a instalação de praça de pedágio em desfavor do legítimo interesse comunitário), verbis: ? (…) A história revela que as grandes transformações sociais ao longo dos tempos não se deram de forma pacífica. Em todos os povos e em diversas fases da evolução humana ocorreu o mesmo: dominantes oprimindo dominados até o limite máximo da suportabilidade; nele, a reação. É oportuno, neste instante, rememorar uma reflexão do saudoso ex-deputado e ex-jornalista gaúcho Mendes Ribeiro, publicada no Correio do Povo, edição de 19.05.98, p. 4, em Porto Alegre: ?A reação. Sempre sobra espaço para a reação. Por piores os tempos. Por mais deslavadas as mentiras. Por deturpados os meios de comunicação. Por maior a corrupção. Por alijados da coisa pública, os honestos. Ainda que quase conformados, os pagantes de sempre. Não obstante ignorada a maioria, vítima da injustiça social, será impossível continuar enganando todos, todo o tempo. Reagir é um estado de espírito. Convicção brotando de dentro para fora. Encontro com a dignidade. Sem ela a vida não é?. A sociedade moderna atingiu um estágio de evolução que parece irreversível. A democracia e a legalidade são o esteio dessa situação. Oxalá permaneça para sempre! Mas para isso é necessário encontrar o equilíbrio necessário. O que assistimos acontecer em nosso País e no nosso Estado é uma situação que parece destoar da finalidade do Estado. Representantes do povo, eleitos e pagos por ele para representá-lo, parecem estar legislando e governando de maneira alheia a sua finalidade precípua. Leis novas que retiram direitos do cidadão em geral e impõem-lhe maiores e onerosas obrigações estão a surgir ininterruptamente. Direitos consagrados e conquistados ao longo dos tempos são aniquilados. Ao mesmo tempo em que cresce o desemprego, impostos, taxas e tarifas públicas são criados e majorados. Isso tudo tem levado o cidadão a recorrer ao Poder Judiciário para ver garantidos os seus direitos e mantida a Justiça.

O que é justiça

Por falar em Justiça, convém lembrar as divagações de Júlio César Tadeu Barbosa sobre o assunto, in O que é Justiça, Ed. Abril Cultural/Brasiliense, 1984, pp.14/16: ?Entre os objetivos próprios do Estado e do governo, sempre se atribui à Justiça um dos mais altos, senão o objetivo supremo. Desde Platão e Aristóteles – os principais filósofos gregos da antigüidade – considera-se a justiça uma virtude eminentemente política (no sentido mais amplo do termo, isto é, da vida em sociedade). A filosofia grega legou-nos dois postulados que geralmente são aceitos sem discussão: primeiro, que as próprias ações do governo devem ser justas; segundo, que as instituições governamentais, como os tribunais, devem garantir a manutenção da justiça.Mas, se por um lado existe uma certa unanimidade tácita em aceitar estes dois postulados, tornando a justiça um princípio fundamental da ordem política, há, por outro lado, um desacordo também fundamental entre estudiosos da política: ela – justiça – consiste em se conformar à legalidade reinante ou em se trabalhar no sentido de formular um direito ideal? Qual o papel político da justiça? É ela uma virtude que os governantes devem praticar ou um estado de coisas que deve ser instaurado? Deve haver igualdade ou hierarquia entre membros da sociedade? Em síntese: a justiça é a qualidade de conduta política que consiste em obedecer à ordem e às leis vigentes – mesmo que injustas – ou é ela um modelo ideal ao qual se deve submeter o poder político?Uma é a idéia de justiça tal e qual a entende a classe dirigente. Outro é o ideal de justiça das classes dominadas.? (Grifei).

Papel político do juiz

Indubitavelmente, justiça é ambas as idéias: tanto a qualidade de conduta política que consiste em obedecer à ordem e às leis vigentes, como um modelo ideal ao qual se devem submeter todos. Só assim estará garantida a democracia e a paz social. Para isso, o positivismo jurídico não se deve dissociar do direito natural, que deve servir de inspiração e fundamento para o direito escrito. Embora o direito natural tenha tido sua origem na Grécia antiga e durado cerca de dois mil anos, não pode ser olvidado pela sociedade moderna, pois a ele estão arraigados os princípios absolutos da moral, que acompanham o homem ao longo da sua evolução. É oportuno lembrar aqui, por pertinentes, palavras do eminente desembargador Adroaldo Furtado Fabrício, ex-presidente do Tribunal de Justiça do RGS, no discurso que fez no seminário Democracia e Justiça – O Poder Judiciário na Construção do Estado de Direito, em 1998, em Porto Alegre, quando falou do papel político do juiz: ?Hoje já não basta que a lei proteja o indivíduo e o grupo social. É preciso protegê-los, por vezes, contra a própria lei. Porque acima dela está a Constituição que lhe condiciona, que lhe dá vida e que lhe dá poder de incidência?. (…) ?

Direitos humanos

Tendo em mira tais inflexões filosóficas, as quais, diga-se de passagem, devem acompanhar a sensibilidade média do que seja propriamente a Justiça, e para não perder o hábito, como já o fiz por ocasião do pretérito artigo recitado no intróito deste, vem-me à mente nessa esteira lição extraída da brilhante sustentação oral (*), à luz dos cognominados Direitos Humanos, proferida pelo causídico Thurgood Marshall (da raça negra e fervoroso militante pela supressão das práticas antidemocráticas e discriminatórias), realizada em sessão plenária da Suprema Corte dos EUA ocorrida em 07.12.1953 (Washington, D.C.), acerca dos calorosos debates empolgados quanto à higidez jurídica da vetusta doutrina da ?separação igualitária? reinante em vários estados da federação norte-americana (mormente sulistas), apoiada em legislação local (supostamente constitucional, em sentido material) no âmbito do sistema de ensino fundamental, no célebre caso Harry Briggs Jr vs. State of South Carolina. (O advogado dos requerentes posiciona-se à tribuna, para réplica, após ter-lhe sido franqueada novamente a palavra pelo ?Chief of Justice? Earl Warren, passando então a discursar de improviso): ?Com a licença da Corte. A 14.ª Emenda foi inserida em nossa Constituição após uma das piores guerras da História. O dever de aplicar essa Emenda foi colocada a essa Corte para mostrar que os Estados no poder, desconsideraram alguns antigos sentimentos … sobre raça. Os negros que estão forçados à segregação são todos cidadãos americanos que, por casualidade, nasceram com uma cor diferente. E a cor não faz diferença alguma no que diz respeito a essa Corte. Harry Brigss Jr. tem garantido pelo Estado doze anos de educação. Não há meio de se reparar a perda de anos escolares. Mas … eles dizem … para deixar isso com os Estados, até eles resolverem. Tive a sensação, ao ouvir o discurso anterior, de que se um aluno branco ficar no meio de um bando de negros, ele será despedaçado. Todos sabem que isso não é verdade. Essas mesmas crianças, na Virgínia, na Carolina do Sul, e eu as vi fazendo isso, brincam juntas nas ruas; separam-se para ir à escola !!! Deve haver alguma mágica nisso. Podem ir juntos à mesma universidade ou faculdade, mas se estudarem no mesmo primário ou ginásio, o mundo ruirá … O único modo dessa Corte decidir esse caso, em oposição à nossa posição, é encontrar alguma razão que dê ao Estado o direito de classificar os negros de uma forma que não pode fazer com relação a mais nada, e aí pleitearemos, que o único modo de chegar a essa decisão é achando que, por algum motivo, os negros são inferiores a todos os outros seres humanos. Ninguém (!!!) virá dizer isso aqui no Tribunal, por que teriam que justificar. Só pode ser uma coisa, uma determinação inata de que o povo que vivia escravizado deve ser mantido o mais próximo possível dessa antiga condição. Chegou o momento. Pedimos a essa Corte que deixe bem claro que não é isso o que diz a Constituição dos Estados Unidos (para todos nós). Muito Obrigado, Excelência.? [Créditos: discurso extraído de tomada em cena da produção cinematográfica estadunidense ?Separate but Equal? – Separados, Mas Iguais, interpretada e protagonizada por Sidney Poitier, 1991, New Liberty Production and Republic Pictures Television – All rights reserved].

Perfil doutrinador de Fachin

As penetrantes palavras acima transcritas, que sensibilizaram a Suprema Corte dos Estados Unidos da América a reverter (o que não é de pouca monta, em se tratando do sistema common law) seculares precedentes jurisprudenciais firmemente arraigados na petrificada e malsinada doutrina da ?separação igualitária?, que, como visto, repousava sobre si mesma em cabal antinomia, é exemplo do que o Prof. Fachin poderá fazer, mutatis mutandis, na condição de magistrado no âmbito do STF, como já o faz presentemente na condição de professor e advogado, obviamente sempre tendo em mira que a voz do Tribunal é a voz advinda de um colegiado (daí a importância do poder de persuasão pela construção de sofisticadas teses jurídicas inspiradas na principiologia constitucionalmente vislumbrada e consentida, trabalho incansável pelo qual o perfil doutrinador de Fachin poderá se sobressair em relação aos seus nobres futuros pares). Aliás, para quem conhece o caso judicial alienígena dantes exposto, anos mais tarde, após o histórico desfecho da decisão proferida (diga-se de passagem, por unanimidade, algo raro de se ver em se tratando de questão altamente polêmica, porquanto de cunho explosivo sob o ponto de vista sócio-político nacional), o então advogado Thurgood Marshall foi guindado em 1967 à Suprema Corte daquele país, lá permanecendo até 1991.

Aplicação soberana do Direito

Fachin, na condição de vanguardista doutrinário e de notável jurista-advogado que é, assim como foi Thurgood, é daqueles que pugnam pela aplicação soberana de um Direito comprometido com os superiores ideários de dignidade da pessoa humana, pela não-violência e da necessária redução das desigualdades sociais e regionais, paradigmas éticos juridicizados que lastreiam angularmente o projeto constituinte plasmado na Carta Política de 05 de outubro de 1988, a ?Constituição Cidadã?, epíteto cunhado pelo intrépido e saudoso Ulisses Guimarães. Por derradeiro, sem me furtar ao registro do fato, extraindo tal ilação do contato pessoal e profissional que para meu gáudio usufruo ocasionalmente junto ao dileto mestre, FACHIN é pessoa de grandeza ímpar e modéstia até mesmo ?constrangedora? para os mais comedidos, nunca se deixando levar por qualquer sentimento tendente à ufania. Tem os pés no chão. Será, se DEUS assim permitir, um Ministro Iluminado, por que dotado de grande senso ético, discrição e humildade, qualidades ínsitas de um autêntico e reto juiz, além de possuir excelente e inexcedível cabedal, notável e publicamente reconhecido. Vamos em frente. Era o que tinha a dizer.

Leonardo Alves da Silva é paranaense, atualmente Procurador Federal da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel no Estado do Rio Grande do Norte, bacharel em Direito graduado pela UFPR, aluno do Prof. Luiz Edson Fachin.

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