A integração real da América do Sul

O planeta está mirando a América do Sul como quem olha para um gigante adormecido ou para um vulcão inativo. Em meio ao quadro de desaceleração global, patrocinado pelas incertezas acerca do desempenho das principais economias internacionais, essas metáforas sofrerão uma reviravolta radical: o gigante vai despertar e o vulcão entrará em erupção. Basta que a comunidade financeira internacional crie as condições ideais para se pavimentar a trilha do crescimento, em que pese a atual retórica protecionista das nações mais desenvolvidas.

Os fatos demonstram, no entanto, que conspiramos contra nossos próprios interesses ao longo dos tempos, pois contabilizamos inúmeros problemas, carências, fragilidades sociais, políticas e econômicas de toda natureza. Afundamo-nos em ditaduras espúrias e perdemos o trem da história. Entretanto, essa teia de dificuldades nos uniu em torno de um só projeto. Chegou o instante de enviarmos ao mundo uma mensagem uníssona, coerente e coesa, uma vez que a região se modernizou e se reciclou para restabelecer a confiança aos olhos dos investidores estrangeiros.

O gesto externo de boa vontade fora sinalizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a criação da Coordenação Especial para o Programa de Integração Sul-Americana. Objetivo supremo é unir o continente por meio de projetos de infra-estrutura, e torná-lo um “player” atraente e sedutor no cenário empresarial. Essa nova área de atuação nasceu para viabilizar e fomentar empreendimentos nas áreas de transporte, energia e telecomunicação, públicos ou privados, e que englobe, no mínimo, dois países. Há outras iniciativas em curso.

A Corporação Andina de Fomento (CAF) possui 24 projetos que demandarão recursos da ordem de US$ 4,5 bilhões. Esse dinamismo expandirá as relações comerciais e econômicas por meio de uma só plataforma, um só discurso, um só objetivo: a inserção da América do Sul no ambiente globalizado, com pluralidade de investimentos, liberdade e democracia. Tais movimentos demonstram que o “risco-região” tende a se esvaziar, e a integração deixa de ser utópica.

O sucesso dessa integração, porém, passa pela consolidação do Mercosul, que está em fase de admitir o Peru como o quinto sócio. O fortalecimento desse bloco criará músculos nas negociações para a formação da Alca e nas questões dos subsídios agrícolas na União Européia. Os novos dirigentes sul-americanos desfilam com a segurança de quem sabe o que estão fazendo e por qual estrada vão trilhar. A começar pelo compartilhamento das posições consensuais entre os líderes, com base no regionalismo transparente, a passos firmes e concretos.

Ricardo Lagos sedimentou a estabilidade chilena, Néstor Kirchner devolveu a auto-estima aos argentinos, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva respeitou os contratos e capitaneou a bandeira da integração desse continente. A harmonização de anseios e objetivos, em face daquilo que se pretende por meio da agenda única, só será possível quando o entendimento político estiver sintonizado aos interesses próprios de cada país. Caso contrário, continuaremos a ser vistos como gigante adormecido ou um vulcão extinto.

Júlio Sérgio de Souza Cardozo

é presidente da Ernst & Young na América do Sul.

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