A dicotomia entre a liberdade de imprensa e direitos personalíssimos – análise da jurisprudência recente

A liberdade de expressão e de imprensa são direitos constitucionais. Desta forma, a Constituição Federal assegura às pessoas físicas e jurídicas o direito de privacidade, a salvaguarda da imagem e da individualidade. Referidos princípios decorrem da imensa preocupação do legislador constitucional em formar uma sociedade humanista, que preserve acima de tudo a dignidade do ser humano.

Assim, quando ocorriam conflitos nas esferas de dois direitos constitucionais, a jurisprudência se dividia em dois pólos diversos. De um lado aqueles que preservavam a liberdade de imprensa, acreditando que o direito da sociedade de saber dos fatos é mais valioso que o direito do indivíduo de preservar a imagem. Contrariamente, se defendia a tese que os direitos de personalidade não poderiam ser aviltados sob qualquer hipótese, por se tratarem de direitos fundamentais merecendo ampla proteção constitucional, ainda mais se relevando o aspecto da dignidade da pessoa.

Partindo da premissa de que a jurisprudência pátria não havia se posicionado a respeito da questão, os meios de imprensa, de forma generalizada, passaram a promover o sensacionalismo desenfreado, dando pouca importância às disposições legais referentes à ética profissional.

Assim, fatos desprovidos de provas foram divulgados como verdadeiros; imagens de pessoas utilizadas sem autorização prévia e de maneira abusiva; a intimidade passou a ser desrespeitada e o uso de câmeras e gravações telefônicas desautoridadas tornaram-se comuns para a mídia.

A jurisprudência ficou atenta à prática abusiva dos meios de comunicação e passou se aprofundar na questão. Assim, julgados de diversos tribunais, e, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, passaram a coibir abusos de forma muito tímida, com fixação de danos morais em torno de 50 salários mínimos. Todavia, julgado recente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, da lavra do desembargador Walter D’Agostinho, inovou ao fixar o quantum indenizatório em razão de abuso de imprensa no montante de R$ 200 mil, em ação movida por empresário caluniado, humilhado e destratado pelo apresentador de televisão Carlos Massa, o Ratinho, do SBT.

Segundo voto do desembargador, “a liberdade de imprensa é um dos pilares e uma grande conquista do regime democrático. Com igual força e importância é o direito à honra e à privacidade, faróis que iluminam o pensamento do regime”. Um gravame para o aumento do quantum decorreu do fato de que não houve apuração da realidade pelo programa de televisão, que, contudo, passou a versão errônea como a tradução da mais pura verdade.

É sabido também que os valores praticados anteriormente na fixação do dano moral não coibiam a veiculação de informações de forma sensacionalista e mentirosa. Isto porque o merchandising era muito mais lucrativo do que o pagamento da indenização, na maioria das vezes. Por conseguinte, é possível perceber que o julgador, ao fixar o valor da indenização em R$ 200 mil, buscou indenizar a dor da parte que teve seu nome envolvido em programa sensacionalista e também coibir que isso ocorra novamente.

Denota-se, portanto, a preocupação do julgador em conter abusos por parte da imprensa. É um direito da sociedade estar a par dos fatos, mas estes devem ser informados sempre com base na legalidade e na verdade, com respeito à honra e à dignidade do ser humano.

Anassílvia Arrechea

é advogada.www.poppnalin.com.br

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