A cruzada anti-homossexual

O final do milênio veio acompanhado de várias promessas e esperanças de progresso e melhoria das condições de vida da humanidade. Porém, ao refletirmos sobre os primeiros anos dessa década, percebemos que muitos aspectos de nossas sociedades pioraram, e, sem sombra de dúvida, um deles foi o referente aos direitos dos homossexuais.

Durante a década de 1990, vários países modificaram seus ordenamentos jurídicos, possibilitando que seus cidadãos gays alcançassem status legal similar aos heterossexuais. Especialmente nos países europeus, várias foram as novas leis que garantiram aos homossexuais o direito à união civil, à adoção, à herança, à assistência mútua e, por fim, ao casamento nos mesmos moldes da união legal entre pessoas de sexos diferentes.

Embora ainda exista essa tendência de aceitação da igualdade no concernente às diferentes orientações sexuais, o século 21 tem trazido algumas más notícias aos gays. No campo legal, as conquistas continuam na Europa e em alguns países ao redor do mundo. Contudo, a maior potência econômica global, os Estados Unidos da América, seguem no sentido oposto a essa evolução.

O atual presidente norte-americano, George W. Bush, reeleito em 2004, tem defendido publicamente a sua posição contra o direito ao casamento por parte dos homossexuais. Analistas afirmam que sua campanha eleitoral foi bem sucedida, em especial, por conquistar o eleitorado conservador, através da defesa dos chamados "valores tradicionais da família americana".

Infelizmente, presidente e população esquecem que uma das maiores contribuições da democracia de seu país para o mundo foram os direitos civis. Objetivando a sua manutenção no poder, George W. Bush deixa de lado uma tradição de defesa do indivíduo frente à opressão estatal. A busca da felicidade, direito inscrito na Declaração dos Direitos da Virgínia, é cerceada por um presidente que defende os valores preconceituosos de uma parte da sociedade que, por sua vez, teme uma mudança em seu status quo tradicional. Não compreendem que, assim fazendo, ferem mortalmente os direitos que eles mesmos gozam, negando-os aos seus semelhantes, e abrindo a porta para a intervenção do Estado na esfera privada.

No âmbito religioso, a causa gay perdeu mais uma vez quando, em 2005, foi eleito como papa o cardeal Joseph Ratzinger. Em 2003 ele foi o responsável pela publicação do documento "Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais", em que o Vaticano condena, de forma preconceituosa e baseado em afirmações pseudocientíficas, qualquer projeto de lei que vise garantir aos gays o direito ao casamento. Isso deixa claro que os homossexuais podem esperar novas afrontas à sua luta por parte do mais novo sumo pontífice católico.

Na conjuntura global da atualidade, em que a luta contra o terrorismo serve de validação para qualquer atrocidade cometida contra os direitos dos indivíduos, não causa surpresa o fato de que a bandeira militarista e conservadora seja novamente hasteada. Populações assustadas e temerosas abrem mão de suas liberdades em prol de uma sensação errônea de segurança, elegendo representantes radicais e conservadores que prometem o retorno a um estado de paz, através do resgate de valores antiquados. Tais eleitores não percebem que com isso possibilitam a revogação das conquistas de direitos, sem ter qualquer garantia ou demonstração de que tais práticas possam, efetivamente, trazer efeitos benéficos.

Rose Marie Muraro(1) nos ensina que a revolução sexual da década de 1960 foi refreada com uma virada conservadora, quando Ronald Reagan, Margaret Thatcher, Helmut Kohl, o papa João Paulo II e a AIDS assumiram o poder. Contudo, mesmo após essa reviravolta, o movimento pelos direitos gays conseguiu prosperar. Não obstante as ações da direita retrógrada, o desenvolvimento das legislações objetivando alcançar a real equidade entre as pessoas com diferentes orientações sexuais não poderá ser detido. A evolução jurídica pós-revolução francesa sempre se deu no sentido de efetivar, cada vez mais, os direitos humanos fundados na dignidade da pessoa. Frente às ameaças contra esses direitos, nada mais justo e sensato do que perceber que a luta pelo reconhecimento da igualdade dos homossexuais deve ser abraçada como uma causa de todos os cidadãos conscientes.

Nota:

(1) MURARO, Rose Marie. Por que nada satisfaz as mulheres e os homens não as entendem. São Paulo: ed. A Girafa, 2003.

Alexander Henrique Santana é bacharel em Direito.

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