A crítica do cantor

Cabelos enrolados e sem muita cerimônia, o ministro Gilberto Gil resolveu criticar o governo a que serve. E com aparente razão. Ele quer um orçamento maior, mais dinheiro para gastar com cultura e, assim, atender seu exigente eleitorado, mostrando que não veio apenas para criar a Ancinav -Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. Afinal, se todos pedem mais, aproveitando inclusive os sucessivos recordes de arrecadação que alegram o Planalto, por qual razão a Cultura não pode pedir?

Seu descontentamento foi demonstrado em local público e diante de autoridades. Gil falou perante a Comissão de Educação do Senado. Ele acusou o governo Lula de, como outros, também ser omisso na hora de investir em Cultura. Disse que o retrato mais expressivo “dessa estranha omissão” é o fato de nos últimos dez anos o orçamento do Ministério da Cultura ter sido o menor de todos os orçamentos ministeriais, pra lá de Marrakesh. “Nos últimos dez anos – disse – o MinC tem patinado entre escassos 0,3% e 0,4%” do Orçamento Geral da União. A Unesco, segundo lembrou, para reforçar a sua tese, recomenda mais que o dobro disso. Pelo menos um por cento.

A crítica do cantor faz sentido, quando ele diz que não há dinheiro sequer para manter museus existentes, já sem muita condição de receber visitantes. Quem diria então para abrir novos, na correta preocupação com nosso patrimônio tão novo e rico, mas já dilapidado. “Nunca tivemos – discursou o ministro, que é amigo pessoal de Lula de longa data – uma política pública de cultura, uma ação de governo à altura da excelência de nossa produção cultural e do talento dos nossos criadores.” Nunca, vírgula. O próprio Gil excepciona “um ou outro momento” que não especifica, mas tem razão quando alude a uma “desproporção entre o orçamento e a presença efetiva da cultura na vida social do País”.

É um pouco paradoxal o discurso do ministro, produzido dentro de um governo que até aqui se preocupou mais com fome zero que com o intelecto de artistas e pensadores. Mas é forçoso reconhecer que – como na canção – a gente não quer só comida, nossa fome é também por cultura e arte. Ademais, Gilberto Gil tem mais um motivo para estar furibundo: enquanto este ano ele tem para gastar em custeio e investimentos a importância de R$ 238 milhões, embora o orçamento seja de R$ 368 milhões, para o ano que vem a proposta orçamentária destina apenas R$ 288 milhões à Cultura. Se verdadeiros, esses números representariam um enorme retrocesso num setor que, se não produz sustento para o corpo, é fonte de alimento para o espírito. Assim, ninguém repreendeu o ministro quando disse peremptoriamente: “Fiz, faço e continuarei fazendo cobrança; brigo por mais recursos”.

Toda a briga do ministro se resume em ter, pelo menos, R$ 200 milhões a mais no orçamento de 2005 – algo comparável a uma agulha num palheiro. Mas para obter as migalhas de que necessita, Gil pediu a ajuda dos senadores que, se não se comprometeram formalmente, foram instados a comover os companheiros ministros do Planejamento e da Fazenda, sempre e historicamente arredios às coisas da cultura.

Gil não fala no outro lado da moeda – aquele da renúncia fiscal do governo em favor de projetos de natureza cultural, por onde escapam milhões. De qualquer forma, espera-se que o governo Lula, pelo menos, não ande para trás, diminuindo recursos do setor cultural para aumentar a cota de cestas básicas distribuídas a eleitores que ainda não conseguem fazer aquelas três refeições diárias. Governar o Brasil, diriam poetas, pintores e violeiros, é também cuidar da cultura dos brasileiros.

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