A constitucionalidade da quebra do sigilo bancário diretamente pelo fisco

A Lei Complementar n.º 105 de 10 de janeiro de 2001, disciplina o dever de sigilo das operações financeiras, bem como a autorização de seu levantamento pela administração tributária independente de prévia autorização judicial.

O objetivo da norma é o combate a elisão fiscal, a qual constitui em brechas que os contribuintes encontram na legislação para escapar do pagamento de tributo.

Será “apanhado” o sonegador através da identificação entre a incompatibilidade da movimentação bancária e o pagamento do Imposto de Renda, abrindo-se um processo de investigação para tentar provar a sonegação de tributos, nos termos do art. 6.º do Decreto 3.724/01.

Muitos questionamentos tem surgido com a nova lei, pois para uns viola o princípio da individualidade do cidadão, previsto no art. 5.º, inciso X e XII da Constituição Federal, bem como vem retirar do Poder Judiciário a função de decidir se podem ou não ser abertas às contas bancárias.

Em que pese as ponderáveis vozes ao contrário (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes), estou convencida sobre a constitucionalidade da nova lei, em conformidade com o entendimento do Procurador da Fazenda Nacional Kleber Augusto Tagliatferro, pelos argumentos a seguir expostos.

Primeiramente, as informações para efeito de apuração dos tributos, passam-se no âmbito entre o fisco e o contribuinte, ressaltando que os agentes fiscais estão submetidos ao rigoroso sigilo fiscal (art. 198 do CTN), o qual os impede de divulgar publicamente os dados obtidos em razão de seu ofício.

Nesse contexto, há uma mera flexibilização do direito de intimidade, haja vista o impedimento legal da ampla divulgação.

Ademais, em uma forma sistemática de interpretação, pelo § 1.º, do artigo 145, da Constituição Federal, admite-se o acesso às informações sobre o patrimônio e rendimentos dos contribuintes, o que se leva a concluir pela procedência do fim visado pela tão questionada norma.

Estamos diante de um interesse jurídico maior: o combate à elisão fiscal, podendo-se afirmar também a garantia de desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, promoção do bem de todos, redução da desigualdades sociais e regionais, pois com a cobrança de impostos o Estado consegue construir mais escolas, melhorar a segurança pública, a saúde e demais bens comuns.

E, de forma a solucionar cabalmente o aparente conflito com o princípio da intimidade e ao mesmo tempo permitir o fim almejado pela Lei Complementar 105/2001, tem-se a incidência do principio constitucional da proporcionalidade.

No caso, é mais proporcional a prevalência do interesse público sobre o particular. Ou seja, prepondera à expansão do princípio da igualdade tributária (art. 150, inciso II, CF), no ideal de justiça social/fiscal sobre a garantia de intimidade do cidadão, o qual frise-se não é absoluta.

Outrossim, concernente à argumentação da retirada da função de decidir do Poder Judiciário, pelo princípio da separação dos poderes, esculpido no art. 2.º da Magna Carta, temos que os poderes são independentes e harmônicos entre si.

A administração pública está autorizada constitucionalmente à execução dos seus atos de polícia.

Assim, não vejo a necessidade autorização judicial para a quebra do sigilo, pois estamos diante de uma investigação administrativa prévia, salientando que somente em casos de indícios de sonegação, estará a receita autorizada a instaurar Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), a ser expedido apenas por superiores hierárquicos daquela instituição, frisando que o contribuinte será notificado, podendo ser chamado para prestar informações, antes mesmo da quebra do sigilo bancário.

Em caso de concluir-se pela inexistência de sonegação fiscal, o caso está encerrado, caso o contrário o contribuinte poderá recorrer as duas instâncias: administrativa na Receita Federal ou no Judiciário.

Note-se, que o Poder Judiciário sempre poderá ser acionado, caso o cidadão entenda por estar sendo violado em seus direitos. Não há vedação na norma complementar sobre a intervenção daquele órgão. Ocorre é a desnecessidade da prévia autorização, sob pena de ferir o princípio da presunção e da auto-executoriedade dos atos de polícia da administração, bem como o princípio constitucional da divisão funcional dos poderes, além de contribuir para a sobrecarga do judiciário de forma desnecessária.

Também não posso deixar de consignar sobre o abalo ocasionado sobre essa questão.

Inúmeras vozes se erguem numa posição garantista dos direitos individuais, quando na realidade nossa intimidade vem sendo realmente violado dia após dia seja nas revistas para entradas de determinados locais públicos, seja nas câmeras colocadas em lojas, ruas, com a conhecida frase “Sorria você está sendo filmado” ou nas informações para vendedores sobre nossos ganhos, patrimônio à aquisição de bens.

Ora, a infração do princípio da intimidade foi à solução encontrada pela própria sociedade para alguns de seus problemas.

Então, por que somente com relação à quebra do sigilo bancário houve tão grande repercussão?

Tristemente deduzo que a comoção gerada resulta da luta desenfreada dos grandes contribuintes (grandes sonegadores), na tentativa de manter seus privilégios.

É notória a existência de pessoas e empresas que fazem altas movimentações bancárias e recolhem CPMF em valores incompatíveis com os pagos em outros tributos como o Imposto de Renda.

Essa é uma realidade que necessita ser combatida e, é através da quebra do sigilo bancário que a solução se viabilizará.

Ante todos os argumentos legais expostos e, pelo discurso pessoal repassado, concluo pela constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001.

Cássia Becker

é advogada e pós-graduanda do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Unicemp – Centro Universitário Positivo
E-mail:
cassiabecker@bol.com.br

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